Há milhões de metros quadrados de paredes, telhados e outras coberturas desperdiçados, que podem ser transformados, de forma a melhorar o desempenho dos edifícios e até ajudar a produzir alimentos. Benefícios vão da melhoria térmica e acústica do edificado, com a consequente redução de custos, à promoção da biodiversidade e qualidade do ambiente.
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A ideia de usar trepadeiras para cobrir paredes não é nova, mas, nas últimas décadas, a tendência de aproveitar superfícies dos edifícios para colocar plantas tem-se vindo a desenvolver por todo o Mundo e mostra que há muitas formas de tornar as cidades mais verdes. Há jardins verticais que dão vida às paredes e, nos telhados e outras coberturas (como garagens subterrâneas sobre as quais é colocada vegetação), estão a surgir tapetes verdes.
Este é um momento de viragem, pois nesta altura "puxam" pelo verde tanto as políticas públicas, como a economia privada no setor do imobiliário.
Nas políticas europeias e no programa de governo em Portugal aparecem soluções com base na natureza, nomeadamente coberturas verdes e jardins verticais, como parte da estratégia para a descarbonização. E as intenções têm tradução em medidas concretas. Através do Fundo Ambiental, lançado no ano passado, explica Paulo Palha, presidente da Associação Nacional de Coberturas Verdes (ANCV) e vice-presidente da Federação Europeia de Telhados Verdes, estas soluções podem ter "uma comparticipação de 70%, até ao limite de 3000 euros".
Algumas grandes urbes deram, há décadas, passos concretos, com obrigações em termos de construção e benefícios fiscais. Mas em breve "todas as cidades da Europa vão ter de definir os seus planos de ação climática", integrando estas oportunidades, afiança.
Minorar problemas de inundações e picos de precipitação
É também com essa preocupação que a ANCV lançou, há um ano, um guia técnico de boas práticas adaptado à realidade nacional, onde se definem princípios em termos de projeto, construção e manutenção das coberturas verdes. Paulo Palha espera que o guia "seja colocado nos regulamentos municipais e outros, de maneira a haver um documento que garanta as boas práticas" e que a atribuição de fundos exija "algum nível de performance nas coberturas verdes", para que se tire o máximo partido dos benefícios.
E estes são muitos. Desde a melhoria térmica e acústica do edificado, com a consequente redução de custos, à promoção da biodiversidade e qualidade do ambiente. Mas não só. Estas coberturas também ajudam na retenção da água da chuva, minorando problemas de inundações e picos de precipitação. Melhoram ainda o microclima e reduzem o efeito ilha de calor nas cidades. Só uma casa não resolve, é certo, mas se se ganhar escala, com "um bairro ou uma cidade, já começamos a ter resultados", sublinha Paulo Palha.
Conseguimos reduzir a temperatura em áreas urbanas, o que é importante no contexto das alterações climáticas que estamos a viver e que prevê um aumento de temperatura e ondas de calor
Com a implementação destas soluções, "conseguimos reduzir a temperatura em áreas urbanas, o que é importante no contexto das alterações climáticas que estamos a viver e que prevê um aumento de temperatura e ondas de calor", explica a investigadora da Universidade de Aveiro Sandra Rafael. Já a influência sobre a qualidade do ar não estará ainda suficientemente estudada, adianta.
Cristina Matos Silva, professora no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e vice-presidente da ANCV, diz que "o mercado tem vindo a crescer". Não só há mais conhecimento e soluções disponíveis, como os arquitetos e engenheiros "estão cada vez mais cientes destas possibilidades". Até porque, afiança, os clientes, sejam proprietários de hotéis, hospitais, bares ou particulares que querem fazer uma habitação, "são cada vez mais exigentes". Um estudo, que será em breve dado a conhecer, concluiu que "estes espaços valorizam os imóveis, sobretudo depois dos confinamentos", acrescenta Cristina Matos.
O edifício Emporium, na Rua de Sá da Bandeira, no Porto, é um exemplo concreto apontado por Paulo Palha. Sobre uma garagem, o promotor imobiliário construiu 800 metros quadrados de cobertura verde, fazendo um jardim numa zona da cidade onde não havia nada. "Foi um sucesso estrondoso de vendas", explica.
Porto foi cidade pioneira
Ainda no Porto, explica o presidente da ANCV, através do projeto Quinto Alçado, deram-se passos na definição de um modelo de integração das coberturas verdes na estratégia ambiental e urbanística da cidade, sendo "a primeira vez que uma câmara manifestou oficialmente a sua vontade de incluir as coberturas verdes na legislação referente ao planeamento da cidade".
A empresa We Garden avançou para esta área há 10 anos, porque percebeu que "era uma solução de futuro em termos de ecossustentabilidade e que haveria mercado, se o procurássemos desenvolver", explica Bernardo Patrocínio. As pessoas acham que é "uma mais-valia em termos ambientais e uma solução estética interessante, que permite valorizar mais o edificado do que o betão".
A procura "é maior no meio urbano, mas também há projetos inovadores no meio rural ou empresas em áreas industriais". A procura em relação a telhados e coberturas é maior do que para paredes vivas, porque "uma cobertura é uma solução construtiva, mais estrutural, enquanto uma parede é mais estética", adianta Bernardo Patrocínio.
Criar alimentos
E porque não cultivar alimentos nestas superfícies? A solução não se presta facilmente à comercialização em grande escala, devido aos custos acrescidos, mas os telhados e terraços, ou até mesmo as paredes interiores próximas de janelas, prateleiras e parapeitos de janelas, podem servir para produzir alimentos de qualidade em pequena escala.
É um "potencial que pode ser aproveitado", sublinha Indira Andrade, do Ecocenter e Ingrow. Quem procura as suas soluções à medida, sobretudo com recurso a hidroponia, por dispensar a necessidade de terra, são "jovens que vivem nas cidades". A escolha recai sobretudo em "culturas de ciclo rápido e microvegetais, folhosas para saladas, tomateiros, pimento e pepinos para saladas"