Cidades do Interior resistem à debandada da população dos bairros dos castelos
Enquanto em Lisboa os residentes têm vindo a ser empurrados pelo alojamento local para fora dos bairros à volta do Castelo de São Jorge, noutras cidades, sobretudo no Interior, a debandada não é tão evidente. Em Lamego ainda há quem viva paredes meias com a torre de menagem, em Chaves há casas habitadas em que uma das paredes é parte da muralha e em Bragança a cidadela do castelo mantém o convívio entre residentes e atividades ligadas ao turismo.
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Margarida Valla, presidente da Direção da Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos, refere que a abertura de pequenas unidades de alojamento local direcionadas para turistas "é um fenómeno que está a acontecer em todo o lado". A parte negativa, sublinha, é que "os moradores faziam parte da cultura dos bairros e começam a não existir".
No fundo, acentua Margarida Valla, é a pressão turística a "destruir a identidade desses locais", que eram "arrabaldes medievais cheios de história". É como se estivessem a ser criadas "periferias nos centros históricos das cidades", observa.
Este fenómeno de "expulsão" dos moradores tem vindo a preocupar Miguel Coelho, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa. Diz que anda há vários anos a repetir que a vida dos moradores em bairros como os do "Castelo, de Alfama e da Mouraria" foi muito "prejudicada pela conjugação do investimento em alojamento local e da Lei Cristas, que permitiu correr com as pessoas mais expeditamente das suas habitações".
Prejuízo muito grande
O autarca insiste que o prejuízo para a freguesia foi "muito grande", já que "perdeu cerca de 25% da sua população", num universo de 13 mil pessoas. É um processo que mesmo parecendo "irreversível", pode ser "parado" e a junta que lidera tem estado na linha da frente.
Entretanto, a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, na passada terça-feira [ler ficha], uma proposta de suspensão imediata de novos registos de alojamento local na cidade até à entrada em vigor da alteração ao regulamento municipal desta atividade. Aplica-se nas freguesias em que o rácio de imóveis dedicados a habitação permanente e de arrendamento turístico seja superior a 2,5%.
A pressão que o turismo exerce nos bairros próximos do castelo em Lisboa ainda não se verifica nas cidades do Interior, apesar de já ter começado o investimento em alojamento local. "O Bairro do Castelo tem vida", assegura o presidente da Câmara de Lamego, Francisco Lopes, embora admita que "poderia ter muita mais", já que "a maior parte dos moradores tem idade algo avançada". Um deles é José Ribeiro dos Santos, que tem vaidade em dizer que vive ali há 50 dos seus 76 anos, numa casa onde criou sete filhos. "Ainda há muitos vizinhos. Todos gostamos de estar aqui", assegura.
Fábio Neves e Eliana Coelho formam o jovem casal que reabriu, há cinco meses, a "Tasca O Sousa", depois de terem deixado a Suíça, onde estavam emigrados. "Já era cliente antes, gosto do espaço e vi aqui uma oportunidade", justifica ele, enquanto ela espera que "o tempo melhore para ver se há mais turistas". A concorrência, ali, é pouca.
Muralhas como paredes
Em termos de atividade comercial, o cenário é melhor na cidadela do castelo de Bragança, onde ainda vivem, de acordo com o autarca Hernâni Dias, "cerca de três dezenas de pessoas". Contabiliza "seis alojamentos locais, três restaurantes, um café, uma loja de artesanato, um albergue para peregrinos e dois museus", o que torna o espaço "muito visitado por turistas".
Por seu lado, em Chaves, a torre do castelo está integrada no Centro Histórico da cidade e não tem uma delimitação do seu espaço tão evidente como noutras urbes. No entanto, o presidente da Câmara, Nuno Vaz, salienta que há "várias casas habitadas em que uma das paredes é a própria muralha do castelo". É uma zona "ainda com muita vida" e também com negócios como "restaurantes e cafés".