As cidades portuguesas estão a apostar cada vez mais em projetos e estratégias de economia circular. Querem ser mais sustentáveis, procurando que os recursos sejam usados pelo mais longo período de tempo possível. Da redução do desperdício alimentar no Porto à recolha de resíduos em Guimarães, há estratégias para um futuro melhor.
Corpo do artigo
Guimarães foi a primeira das urbes lusas a assinar a Declaração Europeia das Cidades Circulares (DECC), dando seguimento a um desígnio de desenvolvimento sustentável que já havia assumido há anos. Aqui há uma preocupação particular com os resíduos, que se materializa em projetos como o EcoPontas (recolheu 380 mil pontas de cigarro em 48 meses só no centro da cidade) e o PapaChicletes (40 mil pastilhas no mesmo período), que até foram replicados no resto do país. A Autarquia, sublinha a vereadora Sofia Ferreira, procura envolver nos projetos "cidadãos e entidades privadas", convicta de que "a mudança precisa de todos".
No Porto, uma das sete cidades europeias (a única portuguesa) que, no âmbito da DEEC, desenvolve projetos-piloto CityLoops, há grandes preocupações com o desperdício alimentar, estando a ser desenvolvidas ações que vão desde o mapeamento dos fluxos de alimentos à implementação de compras públicas circulares.
Mas a estratégia da Invicta já vem de longe e levou, inclusive, ao desenvolvimento do RoadMap para um Porto Circular 2030. Foram eleitos "eixos prioritários que passam pela promoção do consumo sustentável, equilíbrio ambiental e disponibilidade de recursos naturais, infraestruturas e diretrizes de circularidade relacionadas com novas obras e reabilitação do edificado e a transformação de resíduos em recursos", desenvolvendo ações através de projetos de âmbito nacional e europeu, explica Filipe Araújo, vice-presidente da Câmara.
E, depois, se esse resíduo foi produzido, como o podemos recolher e transformar em algo útil
A lógica é "prevenir o desperdício". E, depois, "se esse resíduo foi produzido, como o podemos recolher e transformar em algo útil", refere o autarca.
O exemplo mais recente da preocupação nesta área avançou dia 22 (Dia Mundial da Terra), com a campanha Porto Orgânico a alargar a recolha seletiva de resíduos orgânicos para cobrir cerca de 60% da população da cidade (7000 toneladas/ano). A Porto Ambiente assegurou o financiamento através de candidaturas no âmbito do Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos e do "CityLoops" (Horizonte 2020).
As preocupações têm alastrado pelo país. O Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através da Direção-Geral do Território, apresentou a Iniciativa Nacional Cidades Circulares (InC2), que visa "apoiar e capacitar os municípios e as suas comunidades na transição para uma Economia Circular". Para isso, conta com uma dotação de 1,5 milhões de euros do Fundo Ambiental até 2022.
Desafios, tecnologia e sociedade
"A economia circular enfrenta desafios a muitos níveis. Desde logo, económico-financeiros, pois "as soluções têm de ser economicamente viáveis", diz Joana Maia Dias, professora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e responsável pelo curso de educação contínua Economia Circular, lembrando que este tipo de economia operacionaliza soluções que visam atingir a sustentabilidade e que esta alberga não só o pilar ambiental, mas também o económico e o social.
Também há desafios a nível técnico e tecnológico, "onde a investigação pode e deve fazer a diferença", uma vez que é necessário não só desenvolver novos materiais e processos, mas de igual forma encontrar alternativas viáveis para circular os diversos recursos na economia. E até a nível de mentalidade e comportamentos (desde as pessoas sentirem estas preocupações e procurarem os novos produtos e serviços até ao relacionamento entre empresas em toda a cadeias de valor).
Há um longo caminho a percorrer, mas estão a ser dados passos importantes. "E um dos mais relevantes diz respeito ao enquadramento político e estratégico legal", que começou, fundamentalmente, com o primeiro Plano de Ação, em 2015. No ano passado foi lançado um Novo Plano de Ação para a Economia Circular, que consubstancia um dos principais alicerces do Pacto Ecológico Europeu (2019).
É preciso "olhar para os resíduos como recursos ou subprodutos que podem gerar valor
Nas cidades, acrescenta Joana Maia Dias, há setores para os quais é preciso olhar com particular preocupação, como é o caso da "construção, dos resíduos, da matriz energética e dos recursos hídricos". "Estamos a usar os recursos terrestres de forma insustentável. Isto significa que este modo de fazer não poderá perdurar no tempo", alerta Andreia Barbosa, da organização Circular Economy Portugal.
É certo que o governo está a criar instrumentos para financiar projetos e investigação. E que a sociedade se organiza em ações para aproveitar alimentos e abrem cafés onde o convívio se alia à reparação de equipamentos. Mas ainda assim é preciso acelerar a mudança. "O último Circularity Gap Report indica uma taxa de circularidade global de 8,6%. Em 2019 era de 9,1%", lamenta Andreia Barbosa.
O relatório de 2019 da Agência Portuguesa do Ambiente evidencia "um crescimento na produção de resíduos", adianta, por sua vez, Luísa Magalhães, da associação Smart Waste Portugal, explicando que o aterro é o destino final de 57% dos resíduos. A maior produção de resíduos, considera, tem ligação com "a melhoria da qualidade de vida". O que colide com a necessidade de "dissociar o crescimento económico da produção de resíduos".
Na economia circular, diz Luísa Magalhães, "não podemos pensar apenas no final da cadeia", pois até a forma como as embalagens são concebidas (ecodesign) é importante para a sua reutilização ou reciclagem, exemplifica. Também é preciso "olhar para os resíduos como recursos ou subprodutos que podem gerar valor". E assim voltarem a circular na economia.