Urbanistas defendem medidas que reduzam a poluição, incentivem a mobilidade sustentável e aumentem os pontos verdes nas cidades. Arquitetos dizem que, além das intervenções no espaço público, há que atuar ao nível da qualidade das habitações
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O urbanismo joga um papel fundamental quando se trata de tornar as cidades mais saudáveis, apontando medidas que contribuam para reduzir a poluição e fomentar um estilo de vida ativo. E, assim, tornar também os cidadãos mais saudáveis.
Rui Florentino, docente da Universidade Portucalense, entidade que, há dias, promoveu a 1.a edição do Porto Meeting on Urban Design & Healthy Cities, defende que o urbanismo pode atuar sobretudo a três níveis: nos espaços públicos exteriores, na organização das diferentes atividades e na mobilidade.
O espaço público precisa de mais "componentes naturais" e deve evitar-se "continuar a penalizar o solo com mais construção e impermeabilização". Para serem mais saudáveis, diz Rui Florentino, as cidades precisam de "espaços verdes em maior número e dimensão", pois incorporam "mais biodiversidade, qualidade do ar, menos risco de cheias". Tem de se ter em conta o "benefício social, ambiental e de saúde que estes espaços proporcionam", procurando um maior equilíbrio face ao "desenvolvimento imobiliário".
Temos assistido a exemplos de melhoria nas cidades, que terão efeito talvez daqui a uma década
Também é necessária uma articulação entre as diferentes atividades que decorrem nas zonas urbanas, desde a habitação ao trabalho, diversão e comércio, que devem ser organizados de forma mais eficiente. "Antes separavam-se os usos, mas hoje já vimos que isso leva a desequilíbrios e a mobilidade não desejada. As atividades têm de ser pensadas de forma mais flexível e integrada, não criando espaços segregados" para cada uma. Uma ideia que vai ao encontro da "Cidade dos 15 minutos", preconizada por Carlos Moreno, em que se procura que os bens e serviços diários estejam próximos.
Em termos de mobilidade, considera Florentino, "temos assistido a exemplos de melhoria nas cidades, que terão efeito talvez daqui a uma década". É essencial continuar o esforço de requalificação "dos locais dedicados aos peões e a retirada do automóvel do espaço público, tornando-os mais confortáveis e inclusivos".
As zonas urbanas que hoje temos foram crescendo sem pensar muitas nas questões que as alterações climáticas, problemas de saúde e pandemia de covid-19 levantam agora. Muitas das nossas cidades foram-se densificando após a Revolução Industrial, altura em que se "verificou uma enorme pressão urbanística, com a maior afluência de pessoas às cidades, causando problemas de saúde pública, como epidemias e insalubridade", explica o arquiteto Daniel Fortuna do Couto. A isso seguiu-se um desenvolvimento rápido das periferias, nem sempre acompanhado das necessárias estruturas de apoio e conexões.
É necessário qualificar as habitações
"Ao pensar em cidades mais saudáveis, teremos de atuar tanto no espaço público como no edificado", diz Couto, sublinhando a necessidade de qualificar as habitações para combater, por exemplo, problemas a nível de isolamento que levam muitas pessoas a passar frio no inverno.
Por seu lado, o arquiteto José Pedro Tenreiro realça que a pandemia obrigou a olhar as habitações de outra forma. Tal como as cidades, têm diferentes usos e podem ser, em simultâneo, local para descansar, conviver e trabalhar. Muitas não têm espaços verdes e de lazer nas proximidades, aspetos importantes para se ter qualidade de vida.
Tenreiro insiste na importância de planear as cidades tendo em conta "as diferentes necessidades" das pessoas que as habitam, que vão mudando com o tempo. Por isso, os instrumentos que permitem projetá-las devem ser igualmente "ágeis e flexíveis".
As funções das cidades estão muito espartilhadas, considera Couto. Criou-se uma "manta de retalhos" que é preciso "coser de forma harmoniosa".
Continua-se a despejar ciclovias para cima do território, que não saem nem levam a lado nenhum e que, muitas vezes, causam conflito
É frequente, diz Couto, as pessoas não conseguirem percorram a distância de casa ao supermercado em modos suaves porque há "nós viários complicados e autoestradas" pelo meio. O arquiteto lamenta, igualmente, que se", quando "intervenções ligeiras" permitiriam criar verdadeira "mobilidade suave alternativa". Não existe, continua, interligação adequada entre parques e zonas com mais construção, "de modo que a fruição dos espaços verdes possa ser mais natural. Isso é essencial, para criar cidades mais saudáveis".
Nem todos os "retalhos" poderão ser "cosidos" facilmente e o urbanismo, reflete Couto, tem de olhar tanto para os "espaços vazios que as cidades ainda têm, como para os cheios", para as tornar mais saudáveis.