Falta de civismo e abusos de condutores de automóveis, trotinetas e outros veículos enchem o espaço público de obstáculos, dificultando a mobilidade e criando insegurança.
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Tem havido melhorias na acessibilidade, mas ainda há um longo caminho a percorrer para as cidades portuguesas serem "efetivamente inclusivas" e, para que todos, independentemente das suas limitações, possam aproveitar o espaço público e movimentar-se em segurança. Rodrigo Santos, presidente da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), não tem dúvidas de que a mudança implica mais sensibilidade e civismo.
Ao longo dos últimos anos têm surgido sistemas sonoros em alguns transportes públicos, semáforos sonorizados, sinalização horizontal e piso táctil em vários locais. Os esforços no Porto, por exemplo, têm sido reconhecidos, com a Invicta a chegar à fase de finalistas do prémio da União Europeia "Acess City" 2022.
Mas tirar bilhetes em algumas máquinas de transportes continua a ser "difícil", não é raro um autocarro chegar à paragem e não avisar a quem tem dificuldades de visão "qual é e para onde vai", há sistemas sonoros que "não funcionam ou são desligados", descreve Rodrigo Santos. A isto acresce o risco dos veículos elétricos que nem sempre se ouvem nas "cidades barulhentas", o "caos absoluto de trotinetas e outros veículos estacionadas nos passeios, nas passadeiras, encostados à saída do metro ou paragens de autocarro".
Bengalas partidas
"Já perdi a conta à quantidade de pessoas que tiveram bengalas partidas por carros a sair de garagens, que seguem viagem e nem querem saber", acrescenta, sublinhando que a bengala é precisa para os cegos circularem e "custa no mínimo uns 50 euros".
"Há falta de civismo e défices enormes na falta de fiscalização", lamenta o dirigente da ACAPO, sublinhando que o "espaço público é de todos". Mas, "com todas estas barreiras, há pessoas que têm medo de sair de casa porque sentem que não se conseguem deslocar de forma autónoma e segura" nem sequer na sua cidade, quanto mais "para fazer turismo". Ficam "aprisionadas". A falta de acessibilidades adequadas pode mesmo "matar", diz Rodrigo Santos, lembrando a queda fatal, há cerca de uma década, de um dirigente da ACAPO em Coimbra.
Paula Trigueiros, docente da Escola de Arquitetura da Universidade do Minho, que se tem debruçado sobre este tema e leciona uma unidade sobre design inclusivo, diz que as pessoas cegas ou com outros problemas de mobilidade "não têm de estar numa redoma". Precisam de "ter acesso à informação, algo tão importante como retirar os obstáculos físicos".
As soluções de mobilidade e o planeamento do território requerem "sensibilidade" e devem ter em conta quem não vê, não ouve, quem se desloca em cadeira de rodas, idoso com andarilhos, carrinhos de bebé, ou com qualquer outro tipo de limitação. "É importante estar sensível, atento, informado e estudar devidamente as soluções, fazendo intervenções eficazes".
Deficiência visual atinge 2,2 mil milhões no Mundo
De acordo com o Relatório Mundial sobre a Visão (publicado em 2019) há, pelo menos, 2,2 mil milhões de pessoas que têm uma deficiência visual. Em Portugal, estima-se que existam cerca de 35 mil pessoas com cegueira e quase 590 mil com perda parcial de visão. A expectativa, considerando o envelhecimento e mudanças no estilo de vida da população, é que a necessidade de cuidados oftalmológicos aumente de forma significativa nas próximas décadas. Há muitas causas de cegueira evitável quando tratadas atempadamente, como é o caso do glaucoma e da retinopatia diabética.