Uma equipa da Fundação Champalimaud, em Lisboa, desvendou os primeiros passos na destruição de células cancerosas com a vacina BCG, usada contra a tuberculose, e que pode ser utilizada para tratar o cancro da bexiga em fase inicial.
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A vacina Bacillus Calmette-Guérin (BCG) está a ser testada em células de cancro da bexiga injetadas num modelo animal designado “avatares” de peixe-zebra e desenvolvido no Laboratório de Desenvolvimento do Cancro e Evasão Imunitaria Inata da Fundação Campalimaud (FC). A investigação está a ser liderada por Rita Fior e Mayra Martínez-López, ex-aluna do doutoramento do laboratório.
Os resultados divulgados esta quinta-feira mostram que os macrófagos, a primeira linha de células imunitárias ativadas após a infeção, destroem as células cancerosas e eliminam-nas.
A análise foi feita através depois de retirar células tumorais de um doente com cancro e injetá-las em embriões de peixe-zebra. Os tumores crescem, então, no interior dos embriões, que assim se tornam de facto avatares desse doente oncológico. O teste foi desenvolvido e estudado com amostras de doentes com cancro colorretal.
“Quando entrei para o laboratório da Rita, como aluna de doutoramento”, recorda Martínez-López, “estávamos a discutir vários projetos que eu poderia realizar e a Rita mencionou que a vacina BCG estava a ser utilizada em doentes com cancro da bexiga”. Martínez-López tinha sido vacinada com BCG contra a tuberculose em criança, na América do Sul, e mais tarde trabalharia nesta doença. “Mas foi a primeira vez que ouvi falar da vacina contra a tuberculose como tratamento do cancro”, salienta.
A história de uma ideia
A vacina BCG foi utilizada pela primeira vez contra a tuberculose na década de 1920 e, por volta de 1976, foi a primeira imunoterapia a ser utilizada contra o cancro. Nos anos 1890, William Coley, um cirurgião que trabalhava no Hospital de Nova Iorque, já tinha testado uma mistura de diferentes bactérias, designadas por “toxinas de Coley”, como imunoterapia contra o cancro.
“A imunoterapia com BCG ainda é utilizada de forma bastante empírica”, diz Martínez-López, “é uma imunoterapia muito eficaz, mesmo quando comparada com tantas imunoterapias sofisticadas que estão a ser desenvolvidas."
O tratamento consiste em inserir a vacina BCG diretamente na bexiga. Quando funciona, a taxa de sobrevivência a 15 anos para os doentes com cancro da bexiga em fase inicial é de 60% a 70%. No entanto, em 30% a 50% dos casos, os tumores da bexiga não respondem ao tratamento com BCG e tem de ser totalmente removida.
“Nós não só desvendámos os mecanismos envolvidos nos primeiros passos da ação antitumoral da vacina, como também demonstrámos que o modelo zAvatar é uma poderosa ferramenta pré-clínica para a descoberta de medicamentos em oncologia”, concluí Martínez López.