Dioceses estão divididas sobre consequências a tirar da lista que lhes foi entregue. Lisboa, Porto e Lamego pedem esclarecimentos à comissão e só depois admitem agir.
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Os bispos portugueses não se entendem sobre o que devem fazer com a lista de nomes de padres acusados de abusos sexuais que lhes foi entregue pela Comissão Independente. Nas 21 dioceses do país, nos últimos dias, foram afastados cinco padres. Lisboa, Porto e Lamego pediram mais informações à comissão e só depois admitem tomar decisões; Braga também pediu mais dados, mas, esta sexta-feira, afastou um sacerdote de Guimarães, à semelhança da Guarda, que afastou o padre de Figueira de Castelo Rodrigo. Há bispos que continuam a exigir provas concretas para avançar com suspensões. As dioceses estão divididas na forma como gerem a informação e nas consequências a tirar.
"A Comissão Independente fez um estudo, não fez uma investigação criminal", reagiu, ao JN, Eugénio Fonseca, católico e presidente da Confederação Portuguesa de Voluntariado, falando num "trabalho sério, rigoroso e que não pode ser desacreditado". "Se os bispos têm dúvidas, que peçam esclarecimentos, mas que se lembrem que a Comissão nem fez investigação criminal", afirmou.
têm muita matéria para agir
Daniel Sampaio, membro da comissão, garantiu que estão disponíveis para prestar essas informações. "Havia uma paragem completa de decisões e não havia nada a ser feito. Agora, os senhores bispos estão a tomar as respetivas decisões. Têm muita informação e total liberdade. Espero que não entremos nessa discussão de que um está falecido ou que não sabem onde outro está. Mesmo que isso aconteça, há, com certeza, muita matéria para os bispos atuarem", afirmou, à Lusa.
Em Lisboa, dos 24 nomes entregues, oito sacerdotes já morreram, dois estão doentes e retirados, três não têm qualquer nomeação, cinco estão no ativo, quatro são desconhecidos, um refere-se a um leigo e outro a uma pessoa que abandonou o sacerdócio. Nenhum padre foi suspenso.
No Porto, a diocese recebeu o nome de 12 padres suspeitos de abuso sexual. Sete ainda no ativo, mas nenhum foi afastado. O bispo D. Manuel Linda afirmou que, caso sejam encontrados "indícios fiáveis" de crimes, os sacerdotes serão afastados, mas só com base em provas concretas.
vaticano manda suspender
"De acordo com o Direito Canónico, cada bispo é juiz dentro da sua diocese, mas tem de seguir as normativas que chegam de Roma e, aí, não há grande liberdade para o bispo", disse ao JN o padre João Pedro Bizarro, pároco em Valongo e professor de Direito Canónico na Universidade Católica. No caso dos abusos sexuais, "os bispos devem seguir a normativa da Santa Sé que aconselha a suspensão dos padres", afirmou o canonista.
Também o Direito Canónico remete para a suspensão provisória, sendo que, "em última análise, levará, e provada a acusação, à redução ao Estado laical do sacerdote". Segundo o padre João Pedro Bizarro, o que poderá fazer a diferença na tomada de posição dos bispos é o "grau de certeza" que atribuem às denúncias.
"Por aquilo que li do comunicado da diocese, o bispo do Porto acha necessário recolher mais provas para poder agir em conformidade e, tendo factos e provas suficientes, suspenderá de imediato os sacerdotes que se veem com esta acusação e depois continua o processo legal", afirmou.
Saber mais
Protocolo com APAV
A comissão de proteção de menores do Patriarcado de Lisboa estabeleceu um protocolo com a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima para a prevenção de casos de abusos sexuais na Igreja. Vai ser criada uma bolsa de psicólogos e haverá postos de atendimento em Lisboa, Oeiras, Cascais, Odivelas e Cadaval.
Queixa nos Açores
A diocese de Angra, nos Açores, recebeu mais uma queixa contra um pároco, já depois de ter recebido o relatório da Comissão Independente, revelou, esta sexta-feira, o bispo Armando Esteves Domingues. A diocese suspendeu, esta semana, dois padres que estão em investigação.
Exemplos
Lisboa
A lista tem 24 nomes de padres suspeitos de abusos, cinco dos quais estão no ativo, nenhum para já foi afastado. Oito nomes são de sacerdotes já falecidos.
Porto
A lista tem 12 suspeitos, sete dos quais são padres no ativo. Diocese promete suspendê-los preventivamente se "aparecerem indícios fiáveis" dos crimes.
Viseu
Só um dos cinco padres suspeitos foi afastado. A diocese alega que não há indícios suficientes para concluir que os delitos foram cometidos. O caso mais recente é o do padre Luís Miguel da Costa, em agosto de 2021, da paróquia de S. João de Lourosa.
Guarda
O padre de Figueira de Castelo Rodrigo, investigado por abusos sexuais, foi afastado, esta sexta-feira, pelo bispo.
Aveiro
Dos três nomes na lista, dois já morreram e outro caso foi investigado e arquivado pela Justiça.
Lamego
Lista tem dois nomes de padres que estão no ativo. Bispo pediu mais dados à comissão para que possa tomar uma decisão. Em outubro já tinha afastado dois sacerdotes: um padre de Vila Nova de Foz Côa, detido pela Judiciária suspeito dos crimes de tráfico de pessoas e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência. E outro padre de Cinfães.