De fita métrica e caneta na mão, Maria da Luz Barroso, cirurgiã no Hospital de Gaia, marca o seio da paciente antes da entrada no bloco operatório. Segue-se a redução mamária, uma das nove áreas de diferenciação do serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, que comemora 20 anos de existência.
Corpo do artigo
É uma unidade de referência, que vê a excelência do tratamento acreditada a nível europeu. Por ano, realizam-se oito mil consultas e duas mil operações. Há noites em que a urgência de Gaia, aberta 24 horas, tem de valer aos doentes do Norte e Centro do país.
No entanto, as 15 camas do serviço não são suficientes para dar resposta a todos os que precisam de cuidados. Está ainda identificada a necessidade de reforçar a equipa e de melhorar as instalações. "É evidente que 15 camas para 700 mil habitantes é perfeitamente diminuto. Se alguém se escaqueirar nas estradas, há um serviço que o pode tratar. Em Gaia, só faltam camas, instalações, médicos e enfermeiros", ironizou Horácio Costa, diretor do serviço e professor na Universidade de Aveiro, garantindo que o Ministério da Saúde está atento às necessidades.
A capacidade do internamento deverá duplicar após a conclusão das obras no hospital. Prevê-se que o concurso para as obras da face C, no valor de 60 milhões de euros, seja lançado no segundo semestre deste ano. A empreitada deverá estar no terreno em 2022. O projeto, com três fases distintas, concentrará o internamento num edifício central e aumentará a capacidade do bloco operatório.
Novo equipamento
Até ao fim dos trabalhos, há doentes de Cirurgia Plástica espalhados por vários serviços e uma lista de espera a engordar. O tempo médio para casos prioritários - como doentes oncológicos e de traumas - não é elevado. O cenário muda nas cirurgias de linfedema (inchaço causado por acumulação de fluído linfático) e craniomaxilofacial. "Muitas vezes, os doentes têm de ficar na urgência porque não temos camas para serem internados", diz Cristina Cunha, responsável pela área da mão do serviço de Cirurgia Plástica, que recebe feridos de acidentes de trabalho e da patologia reumática.
A par da lotação do internamento, a unidade tem um "quadro envelhecido", com alguns profissionais entre os 55 e os 60 anos. A equipa é composta por 14 enfermeiros e oito médicos com certificação europeia. Horácio Costa alerta para a necessidade de serem contratados mais profissionais, de forma a dar sustentabilidade ao serviço e garantir a sua continuidade. "Se, neste momento, Gaia falha numa urgência, o Norte do país fica sem cirurgia plástica", referiu.
Para breve está a chegada de um novo microscópio, que vai permitir substituir um com cerca de 20 anos. "Já falhou várias vezes, nomeadamente durante cirurgias em que tivemos de acabar operações com os microscópios de Neurocirurgia ou de Otorrino", contou Horácio Costa.
Apesar das limitações físicas, o serviço prestado é de excelência. Aquando da sua criação, há 20 anos, não tinha espaço nem bloco operatório próprios. Agora, as instalações no edifício central são divididas com Neurocirurgia. Todos os dias, fazem-se "pequenos milagres" para dar mais qualidade de vida aos doentes.
"Quando há uma perda de peso, é muito comum os doentes dizerem que se sentem pior do que quando estavam gordinhos. Eles melhoram em termos de saúde, mas as pessoas também têm de se sentir bem com eles próprios. Quando perdem 40, 50 ou 90 quilos, há muita pele em excesso e muita acumulação de gordura", disse Maria de Luz Barroso, responsável pela cirurgia pós-bariátrica e remodelação corporal.
Não me via ao espelho
Isilda Oliveira, Oliveira de Azeméis
Isilda Oliveira sempre teve excesso de peso, mas foi após o nascimento das duas filhas que deixou de se sentir confortável com o seu corpo. Atingiu os 105 quilos e o peso fragilizou-lhe a autoestima ao ponto de não se sentir bonita. "Não me via ao espelho. Quando estamos numa situação em que o corpo é grande de mais, não temos vontade de estar à vista do companheiro", contou a professora do ensino primário.
Por indicação médica, foi submetida a uma cirurgia bariátrica para perder peso, uma vez que sofre de artroses nos joelhos e a prática de exercício físico estava a prejudicar-lhe a saúde. Já perdeu 40 quilos. "Depois de emagrecer, comecei a ir para o quarto da minha filha usar os espelhos porque eram os únicos que estavam a um nível normal", contou.
No entanto, a redução de peso trouxe outro problema: o excesso de pele. Há um ano, foi operada no Hospital de Gaia para reduzir a pele na barriga. Em breve, será operada ao peito e aos braços. "É excelente olhar ao espelho sem nos escondermos e termos as filhas a dizer que estamos mais bonitas. Apesar de haver situações que precisassem de ser corrigidas, o facto de vermos uma cintura levanta a autoestima", afirmou.
Achava que era um monstro
Maria Alexandra, Gaia
O rosto de Maria Alexandra Azevedo esconde a luta que trava desde 2001. Aos 21 anos, descobriu um tumor na mandíbula. Fez quimioterapia e radioterapia para diminuir o tamanho do tumor, antes de ser operada. Mais do que o cabelo, o cancro levou-lhe parte da face. Em 2005, quando conheceu Horácio Costa, diretor do serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Hospital de Gaia, ganhou uma nova esperança e a possibilidade de reconstruir a cara.
"Quando soube que tinha um tumor, fiquei sem reação. Quis ficar sozinha. Pensei que o mundo ia acabar, que era o meu fim", recordou a mulher, de 39 anos.
Após a operação de remoção do cancro, Maria Alexandra ficou com uma barra de titânio na face até ser possível iniciar a reconstrução. Nessa altura, foi seguida num hospital fora de Gaia, mas os procedimentos não correram bem. "Foi muito delicado. Olhava ao espelho e achava que era um monstro, porque não tinha um lado da cara", lembrou.
Foi nos corredores do Hospital de Gaia que encontrou a cura. "Quando conheci o professor Horácio Costa, voltei a sorrir. Vi confiança no rosto dele. Já tenho carne e pele na cara", disse Maria Alexandra que, durante o processo, casou e teve uma filha.
Mão quase fora do corpo
Inês Delgado, Alcobaça
Há cerca de um ano e meio, Inês Delgado sofreu um acidente de carro. Era final de semana, por volta das duas e meia da manhã, quando perdeu o controlo do veículo e capotou. Voltava a casa depois de tomar café com amigas. "Não sei bem o que aconteceu, mas suponho que tenha adormecido. Fechei os olhos ao volante, fui contra o passeio e tive ferimentos muito graves na mão", lembrou a estudante de Nutrição, de 22 anos, referindo que o sinistro coincidiu com o final de semestre.
Após o embate, a jovem perdeu os sentidos. Quando acordou, tem memória de estar "com a cabeça virada para baixo", da mão esquerda "despedaçada" e das pessoas ao seu redor que a auxiliaram a sair do veículo. "A mão estava quase fora do corpo. Para sair do carro, tive que usar a direita para ajudar a esquerda", disse.
Seguiu-se uma viagem desde Alcobaça, onde vive, até ao Hospital de Gaia, a única unidade de saúde no país com capacidade para a receber naquela noite e realizar a cirurgia de urgência. Foram cerca de duas horas na ambulância. "O acidente foi muito complicado. Afetou o tendão e o nervo. Vou ter sempre uma incapacidade e dificuldade. No entanto, está funcional e dá para fazer o meu dia a dia", explicou Inês Delgado.
Saber mais
20 anos de existência
Criado há 20 anos, o serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Gaia tem nove áreas de diferenciação. A saber: Microcirurgia Reconstrutiva e Reimplantes, Cirurgia Craniomaxilofacial, Cirurgia Tumores de Cabeça e Pescoço, Cirurgia Pós-Bariátrica e Remodelação Corporal, Cirurgia Reconstrutiva da Mama, Cirurgia de Linfedema, Cirurgia da Mão, Cirurgia Plexo Braquial Adulto e Obstétrico e Cirurgia das Úlceras de Pressão.
Formação
Inserido num programa de intercâmbio europeu, o serviço de Cirurgia Plástica, certificado a nível europeu, recebe estagiários estrangeiros todos os anos. Ficam entre três e seis meses em Portugal. Até ao momento, já receberam de Itália, França, Inglaterra, Dinamarca, Bélgica e Alemanha.
Obras
O Hospital de Gaia tem em curso um Plano de Reabilitação Integrado, no valor de cerca de 86 milhões de euros. Dividido em três fases, tem como objetivo centralizar serviços, de modo a possibilitar a ligação entre os três pavilhões principais. A primeira fase já se encontra concluída. Ao JN, o Ministério da Saúde explicou que se encontra em curso a etapa B, na qual está prevista a construção do serviço de urgência, a construção de uma unidade de internamento com 30 camas e a conclusão do serviço de radiologia. A fase C deverá avançar em 2022.