Somando os votos conseguidos por PSD e CDS nas autárquicas de 2017, nos municípios onde concorreram separados, há meia dúzia de casos que apontam para uma vitória da coligação de Direita. Mas a análise aos resultados de há quatro anos também aponta para eleições competitivas noutros 11 municípios.
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As expectativas são elevadas, mas a matemática eleitoral não aconselha demasiadas ambições ao acordo assinado na semana passada entre PSD e CDS com vista às autárquicas. Se tivermos apenas em conta os resultados das eleições de 2017, a coligação só conseguiria conquistar aos socialistas meia dúzia de câmaras: Meda, Lamego, Ponta do Sol, Marco de Canaveses, Resende e Sever do Vouga.
Noutros 11 concelhos, no entanto, as eleições passariam a ser mais competitivas, com a soma de sociais-democratas e centristas a ficar muito perto do PS. E há ainda oito autarquias em que a vitória do PSD foi tão apertada que a contribuição do CDS, mesmo que pequena, pode fazer a diferença num cenário de fragmentação de votos à Direita, com a entrada em cena do Chega e da Iniciativa Liberal.
DIREITA NUNCA TEVE TÃO POUCAS CÂMARAS
Nunca o PS somou tantas câmaras como no primeiro dia de outubro de 2017: foram 161 (incluindo a coligação no Funchal). Ao contrário, nunca a soma dos dois velhos parceiros da Direita foi tão baixa: ficaram-se pelas 104 câmaras (a 90 do extraordinário resultado conjunto de 1979), incluindo 19 vitórias em coligação (também em 1979, foram 73 câmaras conquistadas pela Aliança Democrática).
São evidentes as vantagens para a Direita quando concorre em conjunto (e em particular para o CDS, que assim disfarça a contínua perda de influência): evita a dispersão de votos e a perda de umas quantas autarquias para o PS. No entanto, e a julgar apenas pelos resultados das autárquicas de 2017, se a coligação se alargasse este ano aos 308 concelhos do país, ou pelo menos aos municípios onde essa junção promete ser mais frutuosa, só estariam "garantidas" mais seis presidências de outras tantas câmaras, todas socialistas.
VANTAGEM EM MEDA, LAMEGO E PONTA DO SOL
Onde essa vantagem é mais evidente - uma vez que a soma dos dois partidos da Direita superou em mais de 10 pontos percentuais o resultado obtido pelo PS em 2017 - é nos concelhos de Meda, Lamego e Ponta do Sol (Madeira), com a curiosidade de os centristas terem ficado um ponto à frente dos sociais-democratas no município beirão, o que lhes permite aspirar a, pelo menos aí, indicar o cabeça de lista de uma eventual coligação que, tendo um guarda-chuva nacional, será decidida caso a caso.
Meda não está, aliás, entre os mais de 150 candidatos anunciados pelo PSD, que leva a dianteira nesta matéria. Como não estão Lamego e Ponta do Sol, em que a liderança seria à partida dos sociais-democratas. Os dois municípios estão nas mãos do PS há apenas um mandato e, no caso de Lamego, foi precisamente a divisão de votos entre PSD e CDS, em 2017, que permitiu a conquista socialista - até aí (entre 2005 e 2013) a coligação de Direita conseguiu sempre o primeiro lugar.
RIVALIDADE EM MARCO DE CANAVESES
Em Marco de Canaveses, o Centro-Direita partiria com uma vantagem de quase cinco pontos percentuais sobre os socialistas, a confirmar-se um entendimento. Sucede que a simples possibilidade de juntar centristas e sociais-democratas, num município em que a rivalidade à Direita tem raízes profundas, já fez rolar cabeças: o líder da Concelhia do CDS, Carlos Pinheiro, demitiu-se com palavras amargas para o líder Francisco Rodrigues dos Santos e a sua "estratégia absurda de coligações ou geringonças" com o PSD.
Recorde-se que esta Câmara do distrito do Porto foi ganha pela socialista Cristina Vieira, em 2017, depois de um longo domínio da Direita: o CDS mandou entre 1982 e 2005, através de Avelino Ferreira Torres, sucedendo-lhe Manuel Moreira, pelo PSD, entre 2005 e 2017.
Mais escassa seria a vantagem da Direita nos municípios de Resende e Sever do Vouga (a soma de PSD e CDS em 2017 supera em cerca de um ponto o que conseguiram os socialistas). São municípios controlados pelo PS há cinco mandatos (desde 2005), mas a Autarquia da região de Aveiro tem uma particularidade: foi comandada pelo CDS entre 1989 e 2001, que só a perdeu porque o então presidente Manuel Soares mudou-se de armas e bagagens para o PS, que domina a autarquia neste 2001.
MIRANDELA À DISTÂNCIA DE DÉCIMAS
Para além dos seis municípios referidos, há outros 11 em que uma coligação de Direita, sem "garantir" a vitória, permite antecipar uma luta renhida. À cabeça está Mirandela, que a socialista Júlia Rodrigues arrebatou ao PSD (que a controlava desde 1983) por escassos seis pontos percentuais. Somados os votos do CDS, a Direita partiria com um atraso de quatro décimas.
É igualmente na casa décimal que se encontra a distância para uma eventual vitória da coligação na Câmara de Peniche. Mas aqui é ao independente Henrique Bertino, um dissidente da CDU, que a Direita pode sonhar em roubar a presidência (este, por sua vez, conquistou-a aos comunistas nas últimas eleições). A presença centrista é residual no concelho piscatório, mas o empurrão teria sido suficiente, em 2017, para a Direita ficar a escassas nove décimas.
ALIANÇA REGIONAL AJUDA NO FUNCHAL
Um dos maiores prémios à vista da próxima Aliança Democrática (como durante muitos anos foram batizadas as coligações nacionais e locais à Direita) é a Câmara do Funchal. O PSD perdeu uma das suas autarquias históricas em 2013 para uma coligação liderada pelo PS. Mas, desta vez, há duas alterações de monta, ambas favoráveis à Direita.
A primeira é que o mediático presidente Paulo Cafôfo renunciou ao mandato e foi substituído por Miguel Gouveia. A segunda tem a ver com o acentuado arrefecimento da rivalidade entre PSD e CDS, depois das últimas eleições regionais, que ditaram um governo de coligação. Se a fórmula for repetida nas autárquicas, a Direita partiria com um atraso de pouco mais de um ponto percentual.
A diferença à partida entre a coligação PS/Livre e uma eventual coligação de Direita é quase a mesma em Felgueiras (menos de dois pontos percentuais), embora neste caso se trate de um tradicional bastião socialista, perdido precisamente para uma candidatura conjunta do PSD e CDS em 2009, no rescaldo dos escândalos que envolveram Fátima Felgueiras.
MANTEIGAS E MOURÃO JÁ TÊM CANDIDATOS
Há ainda outras sete câmaras que uma coligação à Direita ajudaria a tornar mais competitivas, uma vez que a diferença para os vencedores de 2017 (quase sempre o PS) foi de meros dois a seis pontos percentuais: Tomar, Manteigas, Mourão, Ribeira de Pena, Aguiar da Beira, Carregal do Sal e Lourinhã.
No caso de Manteigas e de Mourão, o PSD já apresentou candidatos. No município serrano será Nuno Soares, atual líder da bancada social-democrata na Assembleia Municipal. Não há notícia de entendimento com os centristas (talvez porque em 2017 se ficaram pelos 0,65%), ao contrário do que acontece no concelho alentejano, em que o nome de João Forte já foi aprovado pelas concelhias dos dois partidos (aqui o CDS conseguiu quase seis pontos nas últimas autárquicas).
AGUENTAR AS CÂMARAS GANHAS POR POUCO
Não será apenas para a conquista de novas câmaras que uma coligação à Direita revelará utilidade. Se, como disse Rui Rio na assinatura do acordo nacional, o objetivo é "enfraquecer a quase hegemonia do PS" ao nível autárquico, o PSD também precisa de um esforço adicional para manter as presidências que detém. E há pelo menos oito casos em que a diferença para os socialistas, em 2017, foi muito reduzida (até quatro pontos percentuais): Marvão, Porto Santo, Póvoa de Lanhoso, Mortágua, Murça, Castanheira de Pera, Monção e Celorico da Beira.
Um pequeno empurrão do CDS pode fazer a diferença em setembro ou outubro (a data das eleições ainda não foi anunciada). Mas até pode nem ser suficiente, uma vez que o voto à Direita passará a ser disperso por dois novos atores: o Chega e a Iniciativa Liberal. Por pequena implantação que radicais e liberais venham a demonstrar, darão sempre uma ajuda às candidaturas mais à Esquerda.
Em Marvão o PSD segurou a Câmara por quatro décimas em 2017 e foi precisamente o CDS que provocou o abanão no bastião social-democrata, com uma candidatura anormalmente forte. Já no caso de Porto Santo, Murça, Castanheira de Pera, Monção e Celorico da Beira, são conquistas de 2017 e, para além da vantagem mínima, fica a dúvida sobre se um mandato foi suficiente para criar alicerces.
FAVORITISMO EM COIMBRA, MAS NÃO EM LISBOA
Há pelo menos mais um prémio à vista para a Direita, embora implique uma coligação com outro formato: o PSD aposta forte em Coimbra e já escolheu o ex-bastonário dos médicos José Manuel Silva para cabeça de lista, que há quatro anos liderou o movimento independente Somos Coimbra.
Se esta aliança fosse capaz de reunir todos os apoios de 2017, partiria com sete pontos de vantagem sobre o socialista Manuel Machado, que não tem mostrado carisma para alargar a sua estreita base de apoio - ficou-se pelos 35% nos dois mandatos, nesta que é a sua segunda passagem pela liderança da cidade.
Também em Lisboa a Direita encontrou uma figura mediática, mas, ao contrário de Coimbra, a matemática eleitoral não é favorável. Carlos Moedas parte com uma desvantagem de dez pontos para o socialista Fernando Medina e já sabe que terá, à Direita, dois novos rivais: Nuno Graciano pelo Chega e Bruno Horta Soares, a segunda escolha da Iniciativa Liberal, após a desistência de Miguel Quintas.