O combate aos incêndios está a melhorar em Portugal, mas o Tribunal de Contas aponta existirem várias preocupações com o desempenho no terreno. Entre as dificuldades está a gestão dos meios aéreos e o modelo de financiamento dos corpos de bombeiros. A análise consta de um relatório conjunto realizado, e apresentado esta quarta-feira, pelo Tribunal de Contas de Portugal e pelo Tribunal de Contas de Espanha.
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O relatório conjunto, divulgado esta quarta-feira, adianta que o "combate a incêndios tem vindo a registar melhorias, não obstante a persistência de limitações ao nível da dimensão e gestão dos recursos". No caso de Portugal, a análise (que se baseia em várias auditorias) aponta haver "preocupações quanto ao desempenho no terreno, à gestão dos meios aéreos, à profissionalização dos recursos humanos e à interoperabilidade dos sistemas de informação e comunicação geridos pelas várias entidades". Já em Espanha, a "renovação de alguns meios aéreos de combate a incêndios ainda não está completa".
No início de maio, o ministro do Ambiente afirmou que o risco de incêndios rurais é "cada vez maior", fruto das alterações climáticas. Um aviso que tem sido repetido pelo ministro da Administração Interna. Também os auditores dos Tribunais de Contas de ambos os países defendem que Portugal e Espanha têm sofrido "episódios muito violentos dos chamados incêndios de nova geração" nos últimos anos, caracterizados por um "comportamento extremo do fogo".
No caso dos meios aéreos de combate a fogos - que ainda não estão todos alugados, adiantou a Força Aérea Portuguesa à agência Lusa a 2 de maio -, o Tribunal de Contas (TdC) português diz que há um dispositivo permanente em Portugal, que é "reforçado conforme a ocorrência de incêndios". No entanto, apontam os auditores, a capacidade de resposta não está "completa". Fonte da Força Aérea afirmou faltarem, no início do mês, três helicópteros ligeiros e dois anfíbios pesados.
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Espanha apoia Portugal com mais meios aéreos
"Estão a ser avaliadas todas as possibilidades de contratação, sempre dependentes da disponibilidade do mercado e das verbas existentes e disponíveis para o efeito", precisou aquele ramo das Forças Armadas à Lusa. O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou, na terça-feira, dezanove concelhos dos distritos de Faro, Portalegre, Castelo Branco, Santarém e Guarda em perigo máximo de incêndio rural.
No mesmo relatório, o TdC diz que "não está concluído o processo para constituição de uma frota própria e centralizada" de meios aéreos em Portugal. Com base nos acordos de cooperação entre os dois países para o apoio mútuo em incêndios florestais nas zonas transfronteiriças, entre 2016 a 2018, "95 % das 157 atuações (...) tiveram lugar em Portugal, envolvendo sobretudo meios aéreos espanhóis". Se Espanha ajuda sobretudo Portugal na disponibilização de meios aéreos, o apoio do território português aos espanhóis envolve sobretudo operacionais e veículos.
"No período de 2018 a 2020, verificou-se a prestação de auxílio por parte de Espanha a Portugal em 40 intervenções, que incluíram a afetação de 71 meios aéreos, e de Portugal a Espanha em 12 ocasiões, envolvendo sobretudo operacionais e veículos", lê-se no documento elaborado pelos Tribunais de Contas português e espanhol. Os auditores defendem que tem havido um "significativo número de ativações transfronteiriças nos últimos anos".
Apesar de uma maior disponibilização de meios aéreos em Espanha - em 2022 eram 71 recursos contra os 60 de Portugal -, está "pendente um plano para atualizar e modernizar esses meios" pelo Estado espanhol. "Em 2022, o Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico [Espanha] investiu 69,6 milhões de euros em meios de extinção de incêndios: 51 milhões de euros em 2022 em meios aéreos e 18,5 milhões em meios de extinção terrestres", adiantam.
Poucos corpos de bombeiros são detidos por municípios
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O TdC português aponta também várias lacunas aos corpos de bombeiros (CB) em Portugal, sobretudo no que toca às assimetrias regionais na distribuição territorial destes serviços. Há mais corpos de bombeiros por concelho no litoral do que no interior, geralmente mais fustigado pelos incêndios. A situação coloca em causa "a economia, eficiência e eficácia da estratégia da DFCI [Defesa da Floresta Contra Incêndios]".
No campo do financiamento dos corpos de bombeiros, por exemplo, "apenas 22 municípios de Portugal Continental (7,9 %) mantêm CB profissionais, entre sapadores e municipais". Tal significa uma clara prevalência de corpos de bombeiros detidos por associações humanitárias de bombeiros, o que revela que "parte do serviço se mantenha assente na lógica de voluntariado". Para além disso, "o aumento dos elementos profissionalizados dos CB depende da capacidade financeira do município respetivo", no caso dos corpos de bombeiros detidos por autarquias.
As análises feitas ao longo dos anos mostram que Portugal e Espanha têm estado no "grupo de países da Europa e bacia mediterrânica com maior incidência de incêndios florestais ou rurais, em especial no período do verão", explicam os auditores. "Em 2017 e 2018 Portugal foi o país com maior número de incêndios e, em 2019 o segundo pior, a seguir a Espanha", apontam. Em 2021, ambos os países foram ultrapassados por Itália em número de fogos e pela Grécia na área ardida.
O indicador da proporção do território com solos degradados, o mais relevante para a desertificação, aponta existirem 6,1% de terras degradadas em Portugal entre 2016 e 2019, contra os 11,1% em Espanha. No entanto, os auditores revelam que as autoridades nacionais de cada país usaram "diferentes modelos de cálculo" para aquele indicador. Tanto para Portugal como para Espanha, a desertificação é "uma ameaça significativa" aos ecossistemas da Península Ibérica.