A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal já recebeu 424 testemunhos, oito dos quais enviados pelas 21 comissões diocesanas.
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O número de denúncias recebidas até agora foi revelado, esta manhã de terça-feira, por Pedro Strecht, coordenador da Comissão, que admitiu que "o número de vítimas será no final muitíssimo maior que as quatro centenas." Também o número de abusadores será "na ordem das centenas", garantiu Strecht.
Aos 17 casos de padres em funções em várias dioceses do país enviados para o Ministério Público (MP) juntaram-se "mais 30 em estudo para igual procedimento". "A maior parte das situações encontra-se juridicamente prescrita, facto que explica a grande diferença entre o número de situações reportadas à comissão e aquelas que foram enviadas para o MP", esclareceu ainda o pedopsiquiatra.
Recentemente, foram abertos dois inquéritos que visam o bispo José Ornelas por alegado encobrimento de crimes de abuso sexual por padres portugueses. Questionado pelos jornalistas se já falou com o bispo, Pedro Strecht disse apenas que a comissão tem tido "reuniões regulares" com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e que há coisas que são faladas dentro deste âmbito".
Para Álvaro Lúcio e Daniel Sampaio, também membros da comissão, não há dúvidas que houve encobrimento dos abusos por parte da hierarquia da igreja católica. O ex-ministro da Justiça disse que "houve claramente ocultação desses abusos". "Onde houver ocultação da ocultação os abusos passam a ser da igreja (e não de membros da igreja)", explicou.
O psiquiatra Daniel Sampaio acrescentou que "houve ocultação da hierarquia da igreja e das famílias que solicitaram as crianças ou adolescentes a calarem-se porque o senhor padre era um enviado de Deus e as pessoas não podiam falar contra ele".
"O contexto do abuso sexual tem sempre um manto de ocultação. É importante aliviarmos esse manto e tentarmos que não haja uma segunda ocultação, que também existiu nos companheiros e colegas de seminário que não quiseram falar e testemunhar", alertou.
Reforçando a ideia de que os testemunhos serão "muitos mais" do que os mais de 400 que chegaram até agora à comissão, a socióloga Ana Nunes de Almeida, também membro da comissão, disse que entrevistaram várias pessoas que sofreram abusos que indicaram que não seriam as únicas. "As respostas são muito díspares. Dizem que eram todos os alunos da minha turma, todos os rapazes do seminário, todas as meninas que se preparavam para fazer o crisma", exemplificou.
O prazo para a apresentação do relatório da Comissão, que inicialmente estava previsto para o final deste ano, resvalou para o dia 31 de janeiro do próximo ano. O coordenador da comissão alertou ainda que "só serão incluídos testemunhos até final de 31 de outubro", ou seja, quem ainda quiser denunciar uma situação de abuso tem até ao final deste mês para o fazer através do site https://darvozaosilencio.org/ ou outros contactos aqui disponíveis.
A Comissão referiu, ainda, que já foram concluídas as entrevistas aos bispos das várias dioceses, e que também foram entrevistados "superiores gerais e provinciais de uma amostra de congregações e institutos religiosos", adiantou a socióloga Ana Nunes de Almeida.