Apenas 1220 recém-especialistas terminaram formação e nem todos ficam. Contratação ou especialização lá fora: as medidas "pouco credíveis" da ministra, segundo Ordem e sindicatos.
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O concurso nacional para contratação de recém-especialistas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) corre o risco de terminar com mais de 400 lugares por preencher porque há muito mais vagas do que médicos que terminaram a formação. O procedimento, que foi anunciado pela ministra como uma das soluções para resolver a falta de médicos no SNS, já chega com meses de atraso e sabe-se de antemão que pouco acrescentará. Mas há mais medidas - contratação no estrangeiro ou a formação lá fora - que sindicatos e Ordem dos Médicos dizem ser "propaganda" e "pouco credíveis".
No dia em que a Urgência de Obstetrícia do Hospital de Braga está novamente fechada por falta de médicos, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato Independente dos Médicos (SIM ) voltam a reunir-se com a secretária de Estado da Saúde para negociar a valorização do trabalho na Urgência.
No meio da crise das urgências, a ministra apressou-se a anunciar medidas para resolver a carência de médicos no SNS. A abertura, na mesma semana, do concurso nacional para os médicos que terminaram a especialidade na primeira época do ano foi uma delas. O despacho abre 1636 vagas, mas há apenas 1220 recém-especialistas, apurou o JN junto da Ordem dos Médicos. Há, portanto, 416 vagas a mais, número inédito.
A estratégia de abrir mais vagas do que os candidatos começou em 2018 e visa atrair médicos que estão fora do SNS, mas tem tido poucos resultados. O número de candidatos nestas condições "é mínimo", admite Noel Carrilho, presidente da FNAM. "É um formato ultrapassado, não funciona", corrobora o bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães. Para Roque da Cunha, secretário-geral do SIM, apresentar o concurso como solução para as carências do SNS é "propaganda" porque estes médicos já trabalham nos hospitais e centros de saúde como internos e, por isso, não representam novas contratações. Por outro lado, abrir muito mais vagas do que os candidatos é "ou má-fé ou falta de planeamento atroz".
O anúncio de uma eventual contratação de especialistas no estrangeiro também não convence. "Esta ministra só tem conseguido mobilizar os médicos para fora do país, mas estamos curiosos para saber que mercado pretende explorar", diz Noel Carrilho, incomodado por haver "mais interesse em contratar no estrangeiro do que em apostar nos médicos formados cá e com qualidade".
Na apresentação do plano para fazer face aos constrangimentos nas urgências, Marta Temido admitiu ainda formar especialistas no estrangeiro. Para Miguel Guimarães, a medida "não parece exequível". Primeiro, porque depende sempre da vontade do médico querer sair do país; segundo, porque se a opção for um país da União Europeia, como Espanha, o acesso é ainda mais difícil pois o número de candidatos é muito superior às vagas. Noel Carrilho também duvida da medida. E avisa: "Este tom de ameaça para os médicos não ameaça nada. Estamos curiosos para perceber essas soluções semimilagrosas".
O JN questionou o Ministério da Saúde sobre como, quando, onde e a que custo pretende contratar e fazer formação especializada no estrangeiro, mas não recebeu resposta em tempo útil.
Entre os que mais forma
Ainda a respeito da formação de especialistas, o bastonário da OM nota que a responsabilidade de abrir vagas para a formação especializada é do Ministério da Saúde e não da Ordem dos Médicos. E lembra que nem todas as vagas propostas pela Ordem têm sido abertas.
De resto, Miguel Guimarães frisa que, quando assumiu o cargo, há nove anos, havia 1550 vagas para formação de especialistas e este ano abriram 1950. "Somos o país da OCDE que mais aumentou a capacidade formativa nos últimos anos", assegura. O número pode crescer mais, mas "o Ministério tem de fazer o seu papel". Que passa, antes de mais, por travar a saída de médicos experientes do SNS porque são eles que formam os mais novos.
Braga volta a fechar
A Urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Braga está encerrada entre as oito horas de hoje e as oito horas de amanhã, devido à "impossibilidade de se completarem as escalas de trabalho". A situação, que já ocorreu na semana passada, poderá repetir-se no domingo.
Segunda reunião
Os sindicatos médicos reúnem-se esta tarde com a secretária de Estado da Saúde para discutir a valorização do trabalho em Urgência. A primeira proposta da tutela foi rejeitada pela FNAM e SIM, que apresentaram na última sexta-feira uma contraproposta que passa pela revisão das grelhas salariais dos médicos.