Conselhos disciplinares da Ordem aplicaram cinco penas de expulsão. Casos abertos contra clínicos bateram recorde.
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No ano passado, os processos contra médicos aumentaram e as condenações por violação do Código Deontológico dispararam comparativamente com o período pré-pandemia. Cinco clínicos foram expulsos da profissão, um número também inédito. A maior atividade do Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos (OM), que despachou cerca de 1400 casos antigos em dois anos, poderá explicar parte dos resultados.
O número de médicos condenados disciplinarmente cresceu 27% em 2021 face ao ano anterior, mas comparativamente com 2019 o aumento foi de 219%. Em 2021, houve 121 condenações, que resultaram em 38 advertências, 58 censuras, 17 suspensões e cinco expulsões, segundo dados cedidos ao JN pela OM.
Os casos abertos pelos três conselhos disciplinares do país também subiram. Somaram 1320 em 2021, mais nove do que em 2020 e mais 148 do que em 2019.
As queixas que chegam aos conselhos disciplinares da Ordem dos Médicos são de natureza diversa, mas boa parte diz respeito a más práticas ou incúria. No Norte havia, em 2021, 189 casos relacionados com erro ou negligência médica e no Centro eram 45. O Conselho Disciplinar do Sul não disponibilizou estes números, por fazer a classificação dos processos de forma diferente.
Depois de, em 2019, ter estado no centro da polémica, o Conselho Disciplinar do Sul aumentou a atividade e os resultados estão a contribuir para o aumento do número de casos encerrados, arquivados e condenações nestes últimos dois anos. Desde 2020, os peritos médicos e os juristas despacharam cerca de 1400 casos pendentes.
"Quando cheguei, em fevereiro de 2020, tinha 1590 processos em atraso, muitos muito antigos. Agora, já só tenho 196 anteriores a 2019 e 26 anteriores a 2016", refere Maria do Céu Machado, presidente daquele Conselho. Muitos dos pendentes estão suspensos até que as sentenças dos tribunais transitem em julgado, explica.
Para a melhoria da atividade contribuiu o aumento dos recursos humanos (peritos e juristas), mas também alterações nos procedimentos, como reuniões semanais para discutir os casos e a digitalização dos processos. A pediatra tomou posse depois de estalar a polémica em volta do obstetra de Setúbal (ler texto ao lado). Quando o médico foi alvo de um processo da Ordem dos Médicos percebeu-se que tinha outros cinco há vários anos à espera de desfecho.
"Devia haver menos recursos"
A execução das decisões é dilatada sempre que há recursos. Dentro da OM, os médicos podem apelar ao Conselho Superior. E a seguir podem recorrer para o Tribunal Administrativo e para o Constitucional. Muitas vezes, passam-se anos desde que o processo entra na Ordem até ao seu desfecho, como aconteceu com o médico João Ferreira Diniz (ler ao lado). Para Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, devia haver mais celeridade neste tipo de processos e, "eventualmente, menos instâncias de recurso".
Detalhes
735 processos abertos no Sul no ano passado
O Conselho Disciplinar do Sul responde a Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores e, por isso, destaca-se no número de casos: 735, face a 388 no Norte e 197 no Centro.
1262 casos arquivados em 2021
O número de casos arquivados no ano passado é quase igual ao de processos abertos nos vários conselhos disciplinares. Resultam de processos iniciados em anos anteriores.
Expulsões
Obstetra de Setúbal
Um dos mais recentes e mediáticos casos de expulsão da Ordem dos Médicos foi o do obstetra do Hospital de Setúbal, que não detetou malformações graves num bebé, que nasceu sem parte do rosto e do cérebro. Artur Carvalho recebeu, em 2020, a pena máxima do Conselho Disciplinar do Sul por cúmulo dos seis processos em que era visado, incluindo o do bebé Rodrigo. Recorreu para o Conselho Superior da Ordem dos Médicos, que confirmou a decisão.
Ferreira Diniz
Só na sexta-feira é que João Ferreira Diniz, condenado por abuso sexual de menores no processo Casa Pia, ficou definitivamente proibido de exercer atos médicos. A decisão de expulsão da Ordem foi executada dez anos depois do médico ser condenado e ter cumprido pena. Ferreira Diniz usou todos os recursos possíveis até ao Constitucional. Enquanto isso, pôde exercer no privado.
Oito anos até parar
O caso de Ferreira Diniz não é único. No início do ano passado, o Conselho Superior da Ordem dos Médicos confirmou a expulsão do cirurgião vascular Alcídio Rangel, oito anos após ter sido condenado por abuso sexual de doentes. Alcídio Rangel, que chegou a ser médico das seleções de futebol, foi condenado a cinco anos de prisão, com pena suspensa de igual período, e foi expulso da Função Pública, mas continuou a exercer na privada enquanto recorria das decisões da Ordem.