Em ano de pandemia em que a sinistralidade rodoviária caiu a pique, os acidentes em contramão mantêm-se ao nível de anos anteriores. O tráfego nas autoestradas e nas estradas nacionais baixou, sobretudo no primeiro semestre de 2020 marcado pelo confinamento de boa parte da população.
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Mas a GNR não teve menos trabalho: entre 1 de janeiro e 30 de setembro, os militares registaram 62 sinistros, quase tantos como em 2018 (62) e em 2017 (64). Só 2019 foge à norma, ano em que ocorreram 122 acidentes em contramão nesse período.
A perceção de que os idosos ao volante são os principais protagonistas desta sinistralidade não se reflete na estatística da GNR. Pelo contrário: os dados a que o JN teve acesso mostram que esse comportamento é mais frequente entre os mais jovens. Nos últimos quatro anos, apenas 39 condutores com mais de 71 anos foram apanhados ou provocaram acidentes por circular em sentido contrário. Em iguais circunstâncias, a estatística da GNR evidencia 97 situações com jovens até 30 anos. Só, este ano, foram 21 casos.
Insuficiências do ensino
"Pode haver audácia", admite Manuel João Ramos, mas também reflete insuficiências do ensino da condução em Portugal. "O tráfego desceu, mas o comportamento de risco mantém-se. O ensino da condução é feito maioritariamente em meio urbano e poucas ou nenhumas lições são, de facto, dadas em autoestrada", alerta o presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados.
Aos problemas da formação, soma-se a "iliteracia funcional" que é "estrutural no nosso país, mais entre os homens do que entre as mulheres". No quotidiano, atrás do volante, a iliteracia torna-se evidente perante a dificuldade de compreensão da sinalização e da leitura de painéis informativos.
Fonte da GNR dá conta, ao JN, que a maioria dos sinistros em contramão, em particular nas autoestradas, ocorre não por entrada no acesso errado, mas pela decisão do motorista de fazer marcha-atrás ou inverter a marcha. O presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, admite que há pouca informação sobre as causas deste tipo de sinistro, contudo as indicações que lhe vão chegando confirmam esse comportamento perigoso.
"A generalidade dos casos de acidentes em contramão será por mudança na marcha. O condutor esqueceu-se ou enganou-se na saída e faz marcha atrás na autoestrada. Nestes embates e com a mesma violência, um condutor jovem pode sobreviver, mas uma pessoa mais velha não resiste", lamenta José Miguel Trigoso.
Nos últimos quatro anos, estas colisões mataram 17 pessoas e causaram 66 feridos graves e 388 feridos ligeiros. Este ano, entre janeiro e setembro, houve mais vítimas mortais (6) do que em igual período dos anos anteriores. Foram cinco óbitos no ano passado, dois em 2018 e quatro em 2017
Os acidentes de maior gravidade tiveram lugar na A2 (autoestrada do Sul, que liga Lisboa ao Algarve), na A41 (Circular Regional Exterior do Porto) e na Estrada Nacional 125 (também no Algarve). De acordo com a GNR, a lista das vias com maior número de sinistros por contramão inclui, ainda, o IC2 e as estradas nacionais 10, 118 e 205. Não surpreende, por isso, que Faro seja um dos distritos com maior número de acidentes em contramão: sete só este ano e 48 no período homólogo dos últimos quatro anos. No entanto, Lisboa e Porto estão no topo da tabela. Cada distrito regista nove acidentes este ano. Olhando para os períodos homólogos dos três anos anteriores, o historial é mais negro no Grande Porto: nove sinistros em 2017, seis em 2018 e 20 no ano passado.
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310 acidentes em contramão, registados pela GNR, nas autoestradas e nas estradas nacionais ao longo de quatro anos, de janeiro a 30 de setembro.
Perigo de 2.º ano
O presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados lembra que é, no 2.º ano de carta, que sucedem os acidentes mais graves. Manuel João Ramos defende um regime probatório, como existe noutros países, impedindo o jovem de conduzir à noite, com mau tempo e em autoestrada nos primeiros dois anos de carta. Além da revisão do ensino da condução, é imprescindível reforçar a formação para a cidadania rodoviária, diz.