O Tribunal Constitucional (TC) não encontrou inconstitucionalidades na lei que altera a criação e o funcionamento das ordens profissionais. A decisão foi tomada esta segunda-feira e, logo depois, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que vai promulgar "imediatamente" o novo diploma. Entre as principais alterações está a obrigatoriedade de remuneração dos estágios de acesso às profissões.
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De um lado estavam cerca de 20 ordens e o presidente da República que tinham dúvidas constitucionais sobre a lei da Assembleia da República. Do outro, além dos partidos que votaram a favor (PS, IL e PAN), estava o Governo.
Os juízes do palácio Ratton deram razão aos últimos e não consideraram desrespeitados "quaisquer princípios ou normas constitucionais", anunciaram. O pedido de fiscalização prévia tinha sido enviado pelo presidente da República para o TC no início deste mês. Logo após a decisão, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que vai promulgar "imediatamente" a lei.
Cada ordem define estágios
Uma das principais alterações à lei das ordens profissionais é a obrigatoriedade de remuneração dos estágios profissionais de acesso à profissão. Este artigo afeta particularmente os advogados que, para pertencerem à respetiva ordem e poderem exercer, têm de realizar estágio que, até agora, raramente era remunerado. Porém, a lei também deixa ao critério das ordens a definição dos termos estatutários em que essa remuneração se fará, o que significa que todas as ordens terão de alterar os seus regulamentos.
António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas que preside ao Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP), entende que "as alterações são inapropriadas e limitadoras do funcionamento democrático das instituições". O CNOP reúne-se amanhã para analisar o acórdão.
Pressões vinham de fora
A decisão, consultada pelo JN, foi unânime em quase todos os artigos. As exceções foram as alterações à supervisão e às incompatibilidades. No primeiro caso, a conselheira Maria Benedita Urbano votou vencido pois entende que limitar a posição dominante das ordens no novo órgão de supervisão é uma "expropriação da sua autonomia". A nova lei prevê que 60% dos membros de cada conselho de supervisão, incluindo o presidente, sejam pessoas não inscritas na ordem.
O vice-presidente Pedro Machete é contra a nova incompatibilidade que proíbe os dirigentes das ordens de serem diretores em organismos públicos, pois estes serão "discriminados negativamente sem fundamento material bastante". Por exemplo, um diretor de um serviço hospitalar deixa de poder fazer parte dos órgãos da ordem a que pertence. Embora possa e deva continuar inscrito para poder exercer.
Em Portugal há 21 ordens profissionais, a maioria ligadas à saúde. A bastonária dos enfermeiros, Ana Rita Cavaco, reagiu à decisão com um pedido de "bom senso" e com críticas ao novo modelo de supervisão que considera "uma ingerência". Miguel Guimarães, bastonário dos médicos, prometeu continuar a contestar a lei "que pode prejudicar os doentes" ao criar um conselho de supervisão sem médicos em maioria.
A alteração à lei das ordens constava do programa eleitoral do PS e "é reclamada a Portugal pela Comissão Europeia, sistematicamente, em todos os exercícios do semestre europeu", justificou o primeiro-ministro. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico também já tinha alertado Portugal para a "excessiva limitação" no acesso a determinadas profissões reguladas. Esta exigência consta do Plano de Recuperação e Resiliência. Sem alteração à lei, Bruxelas já avisara que Portugal podia ver comprometido o próximo cheque da "bazuca", de 2331 milhões de euros.
Principais mudanças na lei
Os estágios profissionais de acesso à profissão serão sempre remunerados e têm uma duração máxima de 12 meses. Os termos da remuneração são decididos por cada ordem.
O novo conselho de supervisão é composto por 40% de membros inscritos na ordem e por 60% não inscritos, incluindo o presidente. É um dos artigos mais criticados pelas ordens que recusam ser supervisionados por quem não conhece a área.
Quem exercer funções dirigentes em qualquer cargo da função pública deixa de poder exercer funções em órgãos da ordem em que está inscrito.
Tal como no novo órgão de supervisão, a nova lei também prevê que se constitua um provedor em cada profissão regulada e que este não esteja inscrito na ordem.