Costa afirma que PGR oficializou suspeição contra si e que Marcelo errou na dissolução
O primeiro-ministro afirmou, esta segunda-feira, que a procuradora-geral da República oficializou uma suspeição contra si e que não lhe restava outra opção que não a demissão, e considerou que o Presidente da República errou ao dissolver o parlamento.
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Estas posições foram assumidas por António Costa numa longa entrevista que concedeu à TVI, conduzida pelo jornalista Nuno Santos, depois de na sexta-feira o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter formalmente demitido o seu Governo. "A procuradora-geral da República oficializou uma suspeição a meu respeito, que, do meu ponto de vista, para a preservação do cargo que exerço, exigia a minha demissão. Como disse na altura e hoje mantenho, tenho a minha consciência absolutamente tranquila sobre o que fiz ou o que deixei de fazer e, portanto, estou totalmente disponível para colaborar com a justiça, se e quando a justiça entender que eu deva colaborar com a justiça", declarou o líder do executivo.
Mas houve outra situação em que o primeiro-ministro admitiu que poderia ter motivado a sua demissão: o dinheiro que foi encontrado nas buscas efetuadas na sala de trabalho do seu ex-chefe de gabinete Vítor Escária, na residência oficial de São Bento, onde foi encontrado mais de 75 mil euros em dinheiro.
António Costa frisou que só soube que esse dinheiro tinha sido encontrado em 8 de novembro, no dia seguinte ao da sua demissão do cargo de primeiro-ministro. "Depois houve factos novos, que eu não conhecia naquela altura e que podiam ter contribuído seriamente para que eu tivesse tomado esta decisão independentemente do comunicado" emitido na véspera pelo gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República. "Esse é um facto que só é conhecido no dia seguinte. Poder-me-ia ter levado a tomar esta decisão", disse.
Em relação à atuação do presidente da República, perante a chamada Operação Influencer, o primeiro-ministro considerou que "tinha tido todas as condições para encontrar uma solução alternativa que poupasse o país a crise" política. "Tenho a certeza absoluta que quem nos está a ouvir em casa ninguém deseja ir para eleições. A última coisa que os portugueses pensam e desejam é irmos para eleições. Não há uma vaga de fundo no sentido da mudança. As pessoas estão tristes. Foram anos muito duros, muito difíceis", sustentou.
Caso das gémeas: Costa acredita em pura coincidência de prazos
O primeiro-ministro afirmou que só pode entender como pura coincidência o Ministério Público ter instaurado um inquérito sobre o caso das gémeas tratadas no Hospital de Santa Maria no dia em que divulgou o seu inquérito.
Questionado se soube que o seu antigo secretário de Estado da Saúde Lacerda Sales se encontrou com o filho do Presidente da República, o líder do executivo respondeu que não e disse que só conheceu este caso pelas reportagens TVI, que começaram a ser transmitidas em 3 de novembro. "Fui ver agora o que é que se tinha passado. De facto, chegou um ofício da Presidência da República e foi reencaminhado para o Ministério da Saúde um conjunto de seis ofícios, um relativo àquele caso e cinco relativos a outros casos", adiantou.
Depois, o primeiro-ministro foi interrogado se o facto de o inquérito no Ministério Público ter sido aberto no mesmo dia em que foi conhecido o inquérito em que é visado, extraído a partir da Operação Influencer, é para si uma coincidência. "Bom, eu só posso entender como uma coincidência. Tem ideia que não seja?", reagiu o líder do executivo, dirigindo-se ao jornalista Nuno Santos.
Nuno Santos ripostou que apenas faz perguntas e o primeiro-ministro observou: "Ouça, eu não sou dado a teorias da conspiração e não me passa pela cabeça que não seja uma pura coincidência". "Quer dizer, vamos lá a ver, este caso começou a ser tratado na TVI. Creio que quatro dias antes do comunicado que me forçou à minha demissão. Se o processo foi aberto nesse dia, eu só posso entender como uma coincidência. Se não fosse coincidência, estávamos num cenário que é melhor não pensarmos nele", acentuou.
Interrogado sobre qual o pior momento que guarda dos oito anos como primeiro-ministro, António Costa referiu o dia 17 de junho de 2017". "Foi o momento mais terrível que vivi, de impotência, de drama. Cheguei a Pedrógão no dia a seguir, os cadáveres ainda estavam nas viaturas, nunca me esquecerei do que vi, do cheiro, de toda essa sensação. Esse foi o pior dia da minha vida enquanto primeiro-ministro e perante uma sensação de impotência perante um fenómeno natural de uma dimensão terrível. Pior do que a covid-19", disse.
Interrogado se já se encontrou com o antigo secretário de Estado, advogado e seu amigo Diogo Lacerda Machado, que foi detido para interrogatório no âmbito da Operação Influencer, "Ele é meu amigo. Sei que muita gente interpretou mal quando eu disse que utilizei uma infeliz expressão com melhor amigo. Felizmente, ele sabia bem o que é que eu queria dizer", salientou.
Questionado se sabia que o presidente da República faz hoje anos, António Costa referiu que não se lembrava e caracterizou-se como péssimo para datas de aniversários". "Ainda bem que me lembra, porque assim ligarei o mais cedo possível a dar os parabéns". "Só uma vez é que lhe liguei praticamente à meia-noite e ele sinalizou que as boas felicitações são as que são dadas ao princípio da manhã, e não ao final da noite", revelou.
Já sobre o seu futuro profissional depois de abandonar funções políticas, o primeiro-ministro disse que ainda não sabe e que ainda não pensou muito nisso. "Exerci uma profissão antes de estar na vida política, fui advogado mais de dez anos. E gostei muito de ser advogado. Não é fácil para quem esteve muitos anos na vida política regressar à advocacia, porque facilmente o tipo de advocacia que é solicitado a quem esteve tantos anos sem praticar é um tipo de advocacia que eu não desejo fazer", justificou.
Comentou, depois, que a vida política não é só exercer cargos políticos. "Eu não disse que sairia da vida política, disse que não exerceria cargos públicos. Tenciono ter opiniões, posso escrever para jornais, posso ir a manifestações, posso ir a comícios", assinalou.
Interrogado se admite ser comentador, novamente, respondeu: "Acho que não devo". "Quem exerceu funções de primeiro-ministro deve ter algum resguardo, algum recato a ir comentar quem vem a seguir", justificou.
Ainda sobre o seu futuro profissional, acrescentou: "Vivo do meu trabalho". "Portanto, tenho de ir trabalhar, é o que irei fazer, com gosto".
Aeroporto: Costa afirma que respeito pelo acordo é o grande teste à credibilidade do PSD
O primeiro-ministro considerou que o grande teste à credibilidade do PSD é se respeita ou não o acordo celebrado com o Governo para uma decisão em breve sobre a localização do novo aeroporto de Lisboa. "A questão do aeroporto é o grande teste à credibilidade do PPD/PSD", disse, referindo depois o acordo a que chegou com Luís Montenegro para constituir uma CTI sem qualquer elemento nomeado pelo Governo, ou pelos sociais-democratas, para dar solidez científica à futura decisão política.
Mais à frente, na mesma entrevista, António Costa foi questionado sobre o que poderá levá-lo a arrepender-se mais em relação aos oito anos em que exerceu as funções de primeiro-ministro. Voltou, então, à questão de uma decisão sobre o futuro aeroporto de Lisboa. "Olhe, enfim, se o PSD não honrar o compromisso que tem. Diria que foi o ter confiado que podíamos trabalhar em conjunto para ter uma decisão de consenso sobre uma infraestrutura fundamental para o país como é o futuro aeroporto", declarou.
Neste ponto, o primeiro-ministro repetiu que o antigo Presidente da República Cavaco Silva chegou a dar consenso para a construção de um aeroporto em Alcochete, tal como agora propõe a CTI, mas que essa solução foi abandonada pelo executivo de Passos Coelho, que passou a defender a Portela mais o Montijo.
Para não atrasar mais esta questão, António Costa referiu que, mesmo com críticas dentro do PS, decidiu manter a opção que vinha de Passos Coelho, que, depois, acabou por não merecer o consenso do ex-presidente do PSD Rui Rio. "Mesmo com maioria absoluta do PS no parlamento, entendi procurar uma solução de consenso com o presidente do PSD. Trabalhámos numa solução confortável. E não conheço forma mais independente de formar uma comissão técnica", acrescentou.
Na entrevista, António Costa manteve a sua ideia de privatizar mais de 50% da TAP, mas observou que o Presidente da República vetou esse decreto do Governo e que já não há condições políticas para retomar a questão.
Na economia, defendeu que os empresários nacionais têm de fazer mais para serem competitivos nas contratações, sugerindo mesmo "um choque salarial para os mais jovens".
Confrontado com o facto de não ter conseguido um acordo com os professores, contrapôs que, nos últimos anos, "e num número por baixo, mais de 80%" dos docentes "subiram dois escalões desde que um dos seus governos descongelou os escalões.
Já sobre os mais recentes resultados do PISA, começou por argumentar que a descida verificada em Portugal está em linha com a generalidade dos países da OCDE, que essa quebra se deveu a dois anos letivos marcados pela covid-19, mas admitiu que há muito mais para se fazer na recuperação das aprendizagens.
Costa aponta "barafunda nos Açores" como ensaio do que PSD pretende fazer no país
O primeiro-ministro considerou que a barafunda política criada pelo PSD nos Açores, com arranjos políticos com Iniciativa Liberal e Chega, é um ensaio geral do que pretende também fazer no continente após as legislativas. "Não acredito em nenhuma solução estável que não tenha por base o PS, porque acho, como aliás vimos hoje com o fiasco da solução tentada por aquela barafunda que a direita organizou nos Açores", declarou.
De acordo com o líder do executivo, "a solução com base em arranjos entre o PSD, a Iniciativa Liberal, o Chega, o PPM, o CDS nem três anos durou" nos Açores. "Portanto, aquilo foi um ensaio geral do que o PSD pretende fazer a nível nacional. Não queiramos imaginar que vamos sair das eleições de março com uma barafunda idêntica àquela que fizeram agora nos Açores. Foi um ensaio geral, foi um fiasco. Convém não repetir", advertiu.
Para o ainda líder dos socialistas, "a única solução estável possível nas próximas eleições de 10 de março é uma solução que tenha por base o PS".
A seguir, o primeiro-ministro visou o presidente do PSD, Luís Montenegro. "Cada vez que ouço o líder do PSD falar sobre o futuro só ouço palavras do passado e só vejo gente do passado. Isso é o que me impressiona bastante", disse, antes de fazer uma alusão ao recente congresso dos sociais-democratas em Almada. "Como é que ao fim destes anos todos o melhor que têm para dar de energia ao partido é ir buscar o professor Cavaco Silva para animar o PSD? Isso é que me deixa apoquentado sobre o futuro da dinâmica e da capacidade de alternativa democrática em Portugal", completou.
Interrogado se espera estar ativo na próxima campanha eleitoral, apesar de já não ser então secretário-geral do PS, António Costa mostrou-se disponível para fazer a campanha que o futuro líder do partido entenda. "Há uma coisa sobre a qual eu não tenho as menores dúvidas: a boa solução para o futuro Governo de Portugal é dar continuidade a este processo de mudança que iniciámos em 2015, e isso implica um Governo do PS e é um Governo do PS que consegue gerar estabilidade. Temos neste momento, felizmente, dois candidatos à liderança do PS [Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro], sendo que eu, como é sabido, sou neutro nessa escolha", repetiu.
No entanto, sobre o seu sucesso no cargo de secretário-geral do PS, afirmou ter uma certeza. "Qualquer um deles tem muito mais experiência, muito mais competência e assegura muito melhores qualidades de governação do que o líder da oposição", advogou.
Interrogado sobre o facto de Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro estarem a propor novas medidas para os professores - um setor profissional a quem o seu Governo rejeitou a recuperação total do tempo de serviço congelado -, o primeiro-ministro discordou de que se trate de jogo político. "Neste momento, é normal que o PS olhe, faça um balanço do que é que correu bem, o que é que correu mal, o que é que não fizemos e podíamos fazer, que novos problemas é que existem e que exigem novas repostas, que novas abordagens devemos ter. Portanto, acho perfeitamente normal e nada me incomoda que o PS eleja um líder que defenda coisas diversas daquelas que eu defendo", declarou.
António Costa acrescentou que, a partir do próximo dia 17, com a eleição de um novo líder, será "um militante base do PS". "Espero que o PS tenha orgulho destes oito anos de governação. Faço uma avaliação globalmente positiva, mas há necessidade de escolher novos caminhos", acrescentou.