Marcelo vai "dizer aos portugueses" o que pensa, após ter contestado decisão do primeiro-ministro, e poderá chamar partidos a Belém. Socialistas esperam clarificação da estratégia face a riscos para o Governo, mas acreditam que afronta ao presidente vai mobilizar o PS.
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António Costa adiou a remodelação defendida fora e dentro do PS para depois do fim do inquérito parlamentar à TAP. Os socialistas acreditam que as mudanças no Governo vão chegar no verão e, até lá, esperam que o líder clarifique a estratégia de abrir uma guerra institucional com Belém. Por sua vez, o presidente da República promete falar ao país, após ter discordado da decisão de Costa, que recusou demitir João Galamba. "Certamente terei oportunidade de dizer aos portugueses aquilo que penso, mas não agora, hoje não", disse ontem Marcelo Rebelo de Sousa. Mantém vários cenários em aberto, como chamar os partidos a Belém ou mesmo convocar o Conselho de Estado. "Falarei amanhã ou assim. Não sei, talvez", respondeu Marcelo aos jornalistas, admitindo pronunciar-se ainda hoje, antes das suas deslocações ao Reino Unido, a Espanha e a França. Considerou "nada estranho" o silêncio que manteve ao longo do dia.
Também Costa procurou passar uma imagem de normalidade na iniciativa "Governo mais próximo", em Braga, numa fuga para a frente. Coube ao secretário-geral adjunto do PS e a vários ministros sair em sua defesa. João Torres vincou que "este Governo dispõe de uma legitimidade de origem, mas também de uma legitimidade de exercício". Além disso, "numa democracia, que tem regras, é importante que cada um respeite as decisões que cada agente político pode e deve tomar em cada momento e em consciência".
ser um fator de mobilização
Para o ministro das Finanças, Fernando Medina, "as decisões sobre a composição do Governo cabem em exclusivo ao primeiro-ministro". E Manuel Pizarro, que tutela a Saúde, vê "um Governo que tem os sinais vitais normais e dá sinais de grande dinamismo". No PS, a posição de força perante Marcelo, recusando demitir o ministro das Infraestruturas, é vista por alguns como fator de mobilização e, por outros, como uma jogada de alto risco que pode sair cara ao partido.
Já Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, defendeu que, "depois do senhor primeiro-ministro falar, não faz sentido mais nenhum membro do Governo falar".
Os socialistas acreditam estar afastada a dissolução do Parlamento. Até porque Marcelo não quererá ficar com o ónus de criar um impasse após as eleições, se houver um cenário mais fragmentado, e uma eventual ascensão do Chega com o PSD a não garantir por si só uma alternativa ao PS. Por sua vez, Costa já avisou o presidente que não respeitar os mandatos é desrespeitar a Constituição. Mas no partido - e na Oposição - há quem acredite que quer mesmo forçar eleições, continuando a acenar com o "papão" do Chega.
A disponibilidade para remodelar mais tarde, após a comissão de inquérito terminar, pode ser um atenuante no conflito institucional, mas não deverá evitar uma posição mais firme de Marcelo.
Paulo Pedroso, antigo ministro de António Guterres que se desfiliou do PS, crê que, "mais cedo ou mais tarde, haverá uma remodelação, necessidade que os portugueses sentem e que até o presidente do PS [Carlos César] verbalizou", tendo sido desautorizado. O ex-governante considera "razoável" esperar pelo fim do inquérito.
O dirigente Daniel Adrião reclama a convocação dos órgãos do PS (Comissão Nacional e Comissão Política) para que Costa explique o caso Galamba, clarifique a sua estratégia e possa ouvir o partido. E denuncia o não cumprimento do calendário para marcação das reuniões. Adrião critica o líder por apenas reunir o seu núcleo mais restrito do Governo, que esta semana foi reduzido a cinco.
"É uma liderança muito fechada sobre si própria", afirmou ao JN, exigindo explicações. "Ficaram todos perplexos", relatou. Mesmo vozes experientes do partido disseram ao JN que continuavam sem perceber o que se passou, esperando que o líder possa clarificar o caso para se pronunciarem, como foi o caso da deputada Alexandra Leitão.