Cotrim Figueiredo: "Se estivermos à espera de fazer reformas sem resistência, o país não sairá da cepa torta"

João Cotrim Figueiredo é contra o voto útil, que diz favorecer a "mediocridade"
Foto: Rita Chantre
O candidato João Cotrim Figueiredo considera que "não é por temer resistências ou mobilizações excessivas" que o Governo deve deixar de fazer a reforma laboral que levou à convocação da greve geral. Na corrida a Belém, contesta o voto útil, que favorece a "mediocridade". Já na Saúde, o eurodeputado e ex-líder da IL crê que o sistema é "triturador de ministros", admitindo "falta de autoridade" de Ana Paula Martins. A propósito da saúde do presidente, diz que os processos de substituição e impedimento devem ser revistos.
Qual é a sua maior referência em Belém?
É o primeiro mandato de Ramalho Eanes porque foi absolutamente essencial na normalização da nossa vida política, na saída definitiva da tutela militar e imprimiu um cariz de seriedade e até de reformismo ao país que acho muito meritório. Infelizmente, como tantas vezes acontece, o segundo mandato já não foi igual e a tentação de interferir diretamente no jogo partidário foi fatal.
Vê semelhanças com Henrique Gouveia e Melo, que também é militar?
Não. Aliás, nunca liguei muito ao passado profissional, militar ou civil de candidatos. Já temos tempo de democracia suficiente para perceber que, numa eleição presidencial, é muito mais a personalidade, o caráter e a atitude da pessoa que devemos escolher.
O atual presidente dissolveu três vezes a Assembleia. Em que casos admite usar a bomba atómica?
Prefiro não falar de cenários concretos porque cada caso deve ser avaliado conforme as circunstâncias e as variáveis políticas. Digo, no entanto, que será sempre um critério central a convicção de que a decisão que tomar, dissolução ou não, resultará numa solução mais estável para o país.
Em caso de chumbo do Orçamento, por exemplo, dissolve ou permite ao Governo apresentar uma segunda proposta?
Em princípio, na maior parte dos casos que consigo imaginar e dos cenários que consigo prever, daria a hipótese de apresentar novo Orçamento.
Marcelo apontou várias vezes a porta de saída a ministros. Foi assim com João Galamba e Constança Urbano de Sousa. Se for eleito presidente, vai adotar uma postura idêntica?
A primeira coisa que tem de ser dita sobre a interferência do presidente da República na composição dos governos é que deve ser muitíssimo cuidadosa e, de preferência, não ser feita em termos públicos como esses dois casos que citou. Em segundo lugar, para mim, o critério principal nem sequer é o da competência, isso é uma apreciação que o primeiro-ministro terá de fazer em cada caso, mas sim o da idoneidade e da capacidade para manter funções.
A ministra da Saúde tem condições para continuar?
Qualquer ministro da Saúde em Portugal tem uma vida política muito curta, porque o sistema favorece o aparecimento sucessivo de casos de mau funcionamento, com dano evidente para determinados utentes, e também há descontrolo do sistema, com casos que já são de polícia ou de manifesto abuso. Um sistema montado assim acaba sempre por ser um triturador de ministros. Quanto a Ana Paula Martins, o que mais me preocupou foi aquele episódio em que havia umas supostas instruções emanadas da Direção Executiva do SNS, que teriam sido recebidas com ceticismo ou dificuldade de execução por parte dos administradores hospitalares. Estando diretamente na cadeia de comando da ministra, e havendo uma espécie de rebelião, isso é quase sinónimo de falta de autoridade política e de capacidade para manter o cargo.

Foto: Rita Chantre
Afinal, defende ou não que haja uma revisão constitucional?
A partir do momento em que me candidato ao cargo de presidente da República, faço-o no pleno conhecimento e aceitação das regras do jogo, incluindo a Constituição na sua atual versão. É conhecida a minha posição anterior, não a alterei, mas enquanto presidente não farei qualquer movimento a favor ou contra um processo de revisão constitucional, que cabe exclusivamente à Assembleia.
Mas concorda que seja feita à Direita ou deve envolver o PS para ser o mais abrangente possível?
Qualquer revisão constitucional deve procurar ter o maior consenso possível. É uma obrigação democrática. A Constituição deve permitir várias soluções de Governo, orientações e perspetivas ideológicas sobre a sociedade. E, portanto, deve ser o mais neutra possível desse ponto de vista. Uma Constituição mais simples e enxuta, menos carregada ideologicamente seria uma vantagem, fazendo isso com compreensão de todos, incluindo os partidos à Esquerda da atual maioria.
Defendeu que o presidente da República tenha "mais garras". Os poderes devem ser reforçados?
O que defendi é que devemos discutir, não deve haver vacas sagradas no regime. Eu próprio já evoluí na minha posição e acho que nem tem que ser um veto definitivo, pode ser um veto só ultrapassável por maioria qualificada, já me satisfaz. O que não acho é que um presidente da República deva ser obrigado, quase humilhantemente, a promulgar uma coisa que recusou semanas antes, exatamente nos mesmos termos. Parece uma pirraça em que a maioria que o elegeu tem menos legitimidade democrática do que a maioria que elegeu o Parlamento. Continuo a achar que é interessante debater este tema. Aliás, não é o único. Este último percalço de saúde de Marcelo Rebelo de Sousa mostra que os mecanismos de substituição ou até de impedimento são demasiado pesados. Isso devia ser revisto.
Revisto de que forma?
Devem ser mais claras as circunstâncias em que esse impedimento é real. Não deve ficar apenas à consideração da própria Presidência, enquanto órgão, e do presidente, enquanto titular único. Em suma, os processos devem ser mais claros e mais rápidos.
Marcelo deveria ter sido substituído?
Neste caso, não. O que não gostei foi de andarmos horas na ignorância do que seria o mais correto a fazer e a partir de quando é que seria recomendável haver substituição.
Escolheu José Miguel Júdice para mandatário. Pretende convidá-lo para conselheiro do Estado?
Um dos pressupostos da nossa colaboração é que eu ficava completamente proibido de lhe dirigir esse convite. Tornou claro que não queria ser conselheiro de Estado.
Já disse que promulgaria o pacote laboral deste Governo, embora admita que não é perfeito. Não teme que isso lhe tire votos?
Se tivesse medo de assumir posições que me retirassem votos, não teria aberto a boca em metade das entrevistas. É muito mais importante os portugueses terem noção daquilo que efetivamente penso. São 104 alterações ao Código de Trabalho, não creio que alguém esteja de acordo com todas. E não passa pela cabeça de ninguém que o presidente, por causa de duas ou três disposições, deixe de promulgar a lei, a menos que levantem questões constitucionais. Disse que promulgaria e também que havia coisas que gostaria que fossem alteradas. Aqueles que vão estar à procura de trabalho também têm que ser tidos em conta e uma legislação mais flexível favorece todos no longo prazo.

Foto: Rita Chantre
Uma forte mobilização na greve geral de quinta-feira forçará o Governo a negociar e a alterar a proposta?
Se estamos à espera de fazer as reformas que o país constantemente adia, sem nunca haver resistência, setores da sociedade desagradados ou custos eleitorais, e estamos particularmente preocupados com a eleição seguinte, então lamento informar que Portugal não sairá desta cepa torta.
Prevê uma grande adesão?
Tudo indica que haverá uma mobilização forte. Mas, se há uma convicção do Governo de que é necessário fazer aquela reforma, diria que não é por temer resistências ou mobilizações excessivas que deve deixar de ser feita. Os políticos devem estar disponíveis para tomar decisões difíceis e pagar eventualmente custos eleitorais, a bem de um resultado final que, a prazo, é melhor para todos.
Contou que foi pressionado por apoiantes de Marques Mendes para desistir. Vai revelar os nomes?
Não.
Mas foram figuras de primeira linha?
Foram destacados apoiantes que parti do princípio que estariam mandatados ou, pelo menos, o teriam informado dessas diligências. Marques Mendes já assegurou que não tinha mandatado ninguém, foi excesso de voluntarismo.
Ofereceram-lhe algum cargo em troca?
Já conhecem o suficiente para saberem que não valia a pena. Era uma tentativa de fazer uma coisa, que é a concentração dos votos, o chamado voto útil. Portugal está há demasiado tempo refém e a sofrer as consequências de optar pelo voto útil, desde as legislativas, às autárquicas e europeias. Quando tomamos decisões sobre o futuro do país baseadas em segundas escolhas, na maior parte dos casos, vai sair o medíocre. Nesta eleição mais personalizada é essencial que as pessoas façam a sua primeira escolha para a segunda volta. Apelos ao voto útil são estratagemas antigos das forças políticas maiores, porque acham que concentram em si os votos. Isto não só favorece a mediocridade na vida pública, como evita a renovação da classe política. O voto útil devia ter um papel nulo nestas eleições, até porque os candidatos do "Centrão" têm grande dificuldade em mobilizar os seus próprios eleitorados.
O líder do Chega tem sido criticado por ser candidato a todos os cargos, mas Cotrim de Figueiredo foi eleito eurodeputado no ano passado, antes participou nas legislativas e agora nas presidenciais. Sente-se de algum modo o André Ventura da Iniciativa Liberal?
Bem, aceito a provocação, mas de facto o único paralelo que há é, sendo eurodeputado, estar a candidatar-me a outro cargo. Na minha experiência de ano e meio no Parlamento Europeu, tornou-se bastante claro uma coisa que já se imaginava e que o relatório Draghi veio confirmar, é que a Europa sem reformas profundas corre o risco de implodir enquanto projeto político. Aquilo de que não tinha uma perspetiva tão clara é que as reformas que urgem, e em que a Europa se está a mexer devagar, necessitam que o Parlamento Europeu funcione, mas necessitam sobretudo que o Conselho Europeu deixe de ter preocupações tão egoístas, cada estado-membro olhar para o seu umbigo em vez do projeto europeu, numa miopia que me custa entender. Portugal seria um dos países que mais sofreria se a Europa não existisse enquanto União Europeia. Esta função de presidente da República é onde posso exercer uma influência mais direta na defesa do projeto europeu e dos interesses de Portugal nesse projeto europeu.
Definiu como objetivo claro estar na segunda volta, mas prevê atingir que percentagem, tendo em conta, por exemplo, que ficou pelos 9% nas europeias?
Não fixo um número exato, mas sim, reafirmo o objetivo de chegar à segunda volta e digo assim também, sem qualquer pudor, que não o fazer será uma derrota pessoal.

Foto: Rita Chantre
