Uso obrigatório de sacos atrasa processo de exumação, que vai prolongar-se durante 15 a 20 anos. Funerais à noite e cremações ao domingo resolveram listas de espera.
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A utilização obrigatória de sacos mortuários em cadáveres suspeitos ou confirmados de covid-19 vai atrasar o processo de decomposição dos corpos. A estimativa da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL) é que o processo de biodegradabilidade demore pelo menos três vezes mais do que o habitual. "Em termos normais seriam cinco anos, com estes serão 15 a 20 anos", avisa Carlos Almeida, presidente da ANEL.
O facto de os cadáveres suspeitos ou confirmados de covid-19 terem de ser acondicionados em sacos mortuários, os chamados "body-bags", vai "retardar muito a biodegradabilidade", que é o mesmo que dizer que "os efeitos desta pandemia ainda se vão repercutir por muitos anos", assinala o dirigente associativo.
De acordo com a norma da Direção-Geral da Saúde, elaborada com base em orientações da Organização Mundial da Saúde, o corpo deve ser acondicionado num lençol absorvente e colocado num saco resistente a 150 quilos, degradável, com fecho éclair central, longitudinal, de abertura em sentido descendente e com três etiquetas de identificação. Preferencialmente, o corpo deve ser colocado "em dupla embalagem impermeável" e deve ser desinfetada a parte externa do saco, lê-se na norma da DGS.
Estas orientações não são alvo de contestação e todos concordam que a prática é a melhor forma de proteger aqueles que contactam com os cadáveres. Porém, terá implicações na disponibilidade de sepulturas a médio prazo, sobretudo em locais onde os talhões são exclusivos para vítimas de covid-19, como o que existe no cemitério do Alto de São João, em Lisboa (ler reportagem ao lado).
"Há secções inteiras de cemitérios, preenchidas em plena pandemia, que ao fim de 15 anos vão lá ter os corpos intactos porque não vão estar exumáveis. Durante esse período, aquele espaço vai estar comprometido", reforça o líder da ANEL.
Funerais à noite
Há mais de 30 anos no setor funerário, Carlos Almeida nunca viu um período tão crítico como o de janeiro e fevereiro deste ano. Hoje a situação "está estabilizada", garante, mas o setor esteve perto da rutura e só o alargamento de horários dos crematórios e cemitérios, nomeadamente com funerais à noite, permitiu ultrapassar a fase mais difícil. Na altura, houve notícias a dar conta de esperas em crematórios até cinco dias, mas o cenário foi bem pior. "Foi uma coisa surreal, em que não havia capacidade de frio, não havia vazão de crematórios. Lisboa chegou a estar com nove dias de espera, enquanto ao princípio os três crematórios ainda respondiam em 72 horas", recorda. Como consequência, houve crematórios que "fizeram a última cremação às 10 da noite para terminar até à meia-noite e recomeçar tudo às 8 da manhã do dia seguinte", revela.
No Norte, crematórios como o de Paranhos passaram a trabalhar aos domingos e feriados e alargaram o horário, adianta Vítor Cristão, presidente da Associação dos Agentes Funerários de Portugal: "Houve um prolongar do horário no sentido de se conseguir fazer mais uma ou duas cremações diárias para resolver a situação. Hoje, já estão a trabalhar em horários normais e nesta altura está bastante calmo até. O crematório do Porto também fez, não só ao domingo, mas durante a semana, mais ao final do dia".
Com as grandes áreas metropolitanas atoladas de cadáveres, outra solução foi recorrer aos crematórios de periferia. Lisboa encontrou solução em crematórios como o de Almeirim e Santarém. Porto recorreu sobretudo a Braga e a Famalicão.