A avaliação das capacidades formativas dos serviços de saúde é subjetiva e os procedimentos que conduzem à abertura de vagas para os médicos fazerem a especialidade não são uniformes.
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As conclusões são de uma auditoria externa pedida pela tutela ao processo de avaliação da idoneidade e capacidades formativas para o internato médico, que recomenda a elaboração de um "manual de regras" para clarificar e agilizar as práticas implementadas.
A Ordem dos Médicos e os respetivos colégios de especialidade são os principais visados na auditoria realizada pela Ernst & Young para a secretaria-geral do Ministério da Saúde. Refira-se que a Ordem dos Médicos também tem em curso uma auditoria sobre o mesmo tema, que deverá ficar concluída "em breve".
Na auditoria, a que o JN teve acesso, são identificados vários constrangimentos que podem afetar o aproveitamento das capacidades formativas e consequentemente a abertura de mais vagas. Porém, desengane-se quem pensa que há muito mais lugares para formação especializada. Os auditores notam que a tendência crescente de vagas abertas nos últimos anos não é suficiente face ao aumento acentuado de candidatos e, pior do que isso, dificilmente será possível manter o ritmo crescente de abertura de vagas, tendo em conta "as condições atuais dos estabelecimentos do SNS para a realização de formação médica com qualidade".
Critérios desatualizados
Os auditores sinalizaram colégios de especialidade que usam critérios de avaliação desatualizados face à evolução e contexto da especialidade; fórmulas usadas para aplicação de critérios que não são uniformes e podem gerar diferentes interpretações consoante o avaliador; muito trabalho feito à mão, potenciando o erro; informação mal documentada e diferente entre as entidades envolvidas, o que dificulta a monitorização dos processos.
E a par da criação de um "manual de regras e procedimentos", recomendam a definição de uma periodicidade obrigatória para revisão dos questionários e critérios de avaliação de idoneidade e capacidades formativas, tornar obrigatória a resposta aos questionários por todos os serviços e a digitalização dos processos para torná-los "mais consistentes e fiáveis".
Contactada pelo JN, fonte oficial do Ministério da Saúde explicou que a ideia é usar a auditoria para melhorar o processo, tornando-o mais objetivo, com critérios uniformizados, e bem documentado, "para bem de todos os intervenientes".
A avaliação será apresentada, depois de amanhã, às partes envolvidas na identificação de vagas - Ordem dos Médicos e Conselho Nacional do Internato Médico - no Ministério da Saúde.
Sem conhecer o documento na íntegra, o bastonário da Ordem dos Médicos diz-se disponível para acatar as recomendações. Ao JN, Miguel Guimarães realçou a abertura crescente do número de vagas nos últimos anos e a obrigação dos colégios de especialidade fundamentarem as decisões sempre que não abrem todas as vagas pedidas pelos hospitais. Sobre a falta de uniformização dos procedimentos, nota que cada área de formação tem exigências próprias, mas reconhece a importância de ter critérios o mais uniformizados possível.
À lupa
Vagas sobem 132% mas há mais 225% de candidatos
Entre 2006 e 2018, o número de vagas para especialidade aumentou 132%, enquanto o número de candidatos cresceu 226%. Uma análise mais detalhada revela que os hospitais pedem sempre mais internos do que aqueles que são depois aprovados pela Ordem dos Médicos (OM) e pela tutela, o que se explicará pelas necessidades de especialistas. Mostra ainda que a evolução por especialidade é diferente. Em algumas, hoje com graves carências como ginecologia/obstetrícia, houve cortes acentuados até 2013, tanto da OM aos pedidos dos hospitais, como da tutela face aos mapas de vagas da OM.
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Como funciona?
Os hospitais respondem aos questionários de idoneidade e a Ordem dos Médicos - através dos colégios de especialidade - avalia e apresenta um mapa de vagas ao Conselho Nacional do Internato Médico (órgão consultivo da Administração Central do Sistema de Saúde), que avalia e elabora novo mapa. No final, o Ministério aprova o mapa.
Avaliar para quê?
Desde 2015 que há mais candidatos à especialidade do que vagas, ficando todos os anos centenas de médicos sem acesso à formação especializada. A tutela e a Ordem pediram auditorias para ver o que se pode melhorar.