Há cada vez mais crianças e jovens a jogarem online a dinheiro. O Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) dá conta de que 5% dos jovens com 13 anos já o fazem. A prevalência vai aumentando com a idade e, aos 18 anos, são quase 21%. Os mecanismos de controlo dos sites legais são contornáveis e contam, muitas vezes, com a conivência dos familiares, enquanto nas plataformas ilegais, que proliferam na Internet, nem sempre existe bloqueio.
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Os rapazes jogam mais do que as raparigas. A evolução da prevalência das apostas online tem sido ligeira, mas constante: passou de 15% em 2015 para 18,3% em 2021, como pode ler-se na Sinopse Estatística 2021 - Jogo e Internet, publicada esta semana pelo SICAD. A estatística confirma a perceção dos especialistas, ouvidos pelo JN, de que há cada vez mais menores a jogar e a apostar online.
Os números não surpreendem Pedro Hubert, que dirige o Instituto de Apoio ao Jogador (IAJ). "Tenho claramente essa perceção. Cada vez mais chegam aqui jovens com 18, 19 ou 20 anos que não ficaram dependentes do jogo e das apostas desportivas do dia para a noite. Pelo contrário, começaram a jogar muito antes", afirma.
Para João Goulão, diretor do SICAD, o maior "desafio" é controlar o acesso às plataformas por certos grupos de utilizadores, entre os quais os menores e os jogadores patológicos. "Até hoje, não foi possível criar tais mecanismos. No caso dos jovens, a criação de sistemas de validação e de registo de entrada nas plataformas que controlem a idade do utilizador é tecnicamente difícil, ao que acresce o facto de, em termos legislativos, a aprovação e a aplicação de medidas legais a este nível serem igualmente pouco eficazes", explica. Mesmo a aplicação de medidas de defesa para fazer face à adição, como são os pedidos de autoexclusão, é muito limitada. "Para ser eficaz, teria de abranger todas as plataformas acessíveis pela net, o que é manifestamente impossível".
APAJO culpa sites ilegais
Ricardo Domingues, da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), que representa nove dos 15 operadores do mercado regulado (cerca de 95% do volume de negócios), considera "inaceitável" haver menores a jogar online a dinheiro. "Para nós, operadores legais, esse fenómeno não existe", assegura, garantindo que, a existirem "abusos", os operadores são "os primeiros a identificá-los e a comunicá-los". Esse fenómeno, acredita, é "seguramente dos sites ilegais". Para jogar online nas plataformas legais, é necessário cumprir vários requisitos, associados à abertura de conta e à verificação da identidade. No entanto, nas casas ou nos sites de apostas ilegais, estas diretrizes nem sempre são cumpridas.
Para travar os infratores, Ricardo Domingues sugere o bloqueio dos pagamentos, algo que "já acontece no Norte da Europa e no Reino Unido". E critica a limitação do catálogo de apostas autorizadas em Portugal: "A partir do momento em que se inclui uma maior oferta no mercado legal, começa a não haver grande incentivo para apostar num operador ilegal".
Pedro Hubert rejeita que não haja controlo. "Até há, e há fiscalização, só que é muito fácil dar a volta ao sistema, porque, muitas vezes, os pais" e os familiares "facilitam. Eles inscrevem-se com o NIF [número de contribuinte] do tio, do amigo mais velho e vão jogando assim", explica.
João Goulão sublinha que este é um problema complexo, "tanto para o SICAD como para outras agências, que, a nível mundial, tentam reagir ao fenómeno na ótica da saúde pública".
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Uso da Internet
A Internet é usada, principalmente, para trocar mensagens instantâneas (91%), enviar e receber e-mails (88%) e pesquisar informação sobre produtos e serviços (87%).
MP investiga
Desde a entrada em vigor do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online, a 29 de junho de 2015, e até 30 de setembro de 2022, foram enviadas 1040 notificações a operadores ilegais de jogo online para encerrarem a sua atividade em Portugal. Em igual período, foram bloqueados 1295 sítios na Internet. No total, foram efetuadas 20 participações junto do Ministério Público para efeitos de instauração dos correspondentes processos-crime.