Perda de emprego leva mulheres a procurar uma forma de fazer "dinheiro rápido". Associações estão a receber mais pedidos.
Corpo do artigo
A pandemia fechou serviços, restaurantes e comércio, mas não faz recuar a prostituição que aumenta, principalmente a partir de casas particulares e de hotéis. É, pelo menos, a convicção das prostitutas e de algumas instituições de solidariedade que as apoiam, lamentando que a crise económica e o desemprego recrutem mais mulheres para este negócio. Os pedidos de apoio social dispararam.
"A pandemia afetou pouco a procura. Aliás, com os despedimentos em massa, há mais oferta e chega a ser um aumento brutal", garante Ana Loureiro, proprietária de uma casa de prostituição em Lisboa e defensora da legalização do setor. Na rua, conta, os preços baixaram substancialmente e há quem se prostitua por cinco a 20 euros. "Estamos a falar de sobrevivência", desabafa a trabalhadora do sexo ao JN, que se depara com elementos da mesma família empurrados para este meio para terem o que comer.
"Há mais familiares a trabalhar uns com os outros: mãe e filha, tia e sobrinha, irmãos, mulheres casadas... Aquilo que não se via há muitos anos e está a verificar-se novamente por causa do desemprego causado pela covid-19".
No Grande Porto, Alice, transexual que atende clientes em casa, ficou com "medo" da covid e isolou-se desde janeiro. Já decidiu que voltará a abrir, este mês, a porta aos clientes, "quando houver menos casos". Mas não tem dúvidas de que a prostituição cresceu na Invicta. "Reparo nos anúncios dos jornais. Há muitos rapazes que perderam o emprego e estão-se a transvestir ou atuam mesmo como homens", relata.
Nas ruas da capital, na zona do Marquês de Pombal, Monsanto e do Instituto Superior Técnico, meia dúzia de mulheres aguardam pela chegada de um novo cliente. É o caso de Maria, 33 anos, que trabalhava na restauração e está desempregada desde março de 2020.
"Ando há um ano nesta vida por causa da covid. Tenho de sustentar a família, nomeadamente o meu filho menor. Estou inscrita no centro de emprego, mas é só burocracias atrás de burocracias para arranjar trabalho. A rua pode não ser digna, mas é dinheiro rápido e não espero fazer isto para sempre", justifica, com pragmatismo, dando conta de mais "mulheres novas" que chegaram ao Monsanto "nos últimos meses". Boa parte "está a trabalhar, sobretudo, em casas particulares".
Teresa, que ocupa a noite junto ao Instituto Superior Técnico, garante que há "mais concorrência". São "miúdas novas", tal como ela, obrigadas pelo desemprego a recorrer à prostituição. "Já soube que também trabalham em casa ou em hotéis", resume a jovem de 29 anos, entre um cigarro e outro.
Pedem ajuda para sobreviver
O aumento de oferta sexual levou a mais pedidos de apoio, junto das associações de solidariedade. Conceição Mendes, assistente social que trabalha com "O Ninho", refere que "há muitas mulheres que pedem rendimento social de inserção e apoio para os filhos" e muitas são encaminhadas para o Banco Alimentar.
"O nosso receio é que, com o aumento do desemprego e com os problemas sociais que já se sentem, mais mulheres possam ser recrutadas para a prostituição, sobretudo em espaços fechados", acrescenta. Também Isabel Xavier, vice-presidente da direção, admite que "a exigência de permanecer dentro da residência venha reforçar a prostituição em casa. A crise, com toda a certeza, colocará mais pessoas em situação de pobreza e, por isso, mais frágeis e passíveis de serem angariadas para a prática da prostituição", lamenta. A associação dedica-se diariamente a ajudar estas mulheres a tratar dos processos "na Segurança Social, das autorizações de residência ou dos abonos de família, além de lhes proporcionar apoio psicológico e terapêutico".
E, às vezes, abrem-se caminhos novos: "Começámos por ter um lar para essas mulheres. Depois, criou-se oficinas de treino e, agora, temos 12 mulheres a trabalhar em quintas e jardins de Lisboa que recebem 635 euros por mês", em articulação com a Câmara de Lisboa, explica Conceição Mendes.
Outra das instituições de apoio às mulheres que se prostituem, as Irmãs Oblatas, reconhece que "os pedidos de ajuda aumentaram substancialmente. Todas as semanas, contactamos com novas mulheres que retomaram ou iniciaram a atividade devido à perda de empregos formais e ausência de rendimentos, mas parece-nos precoce inferir para já uma causa-efeito no que respeita à pandemia e prostituição", afiança Carla Fernandes, da direção técnica daquela associação. Ainda assim, está certa de que "quem exerce prostituição encontra-se atualmente numa situação de maior vulnerabilidade social, de saúde ou económica", remata ainda.
A Norte, os relatos de mais pedidos de ajuda prosseguem. A associação Porto G explica que "houve um aumento de pedidos de apoio social, nomeadamente esclarecimento de questões sobre medidas de apoio ou de apoio alimentar durante o confinamento".
A pandemia trouxe um aumento da higiene e de outros modos de vender o sexo. Nas zonas do Monsanto e do Instituto Superior Técnico, as máscaras não estão à vista, até "porque os clientes querem ver a nossa cara para saberem ao que vão", argumenta Maria.
Mais higiene e negócio virtual
Dentro da mala, há máscara e álcool gel. "Coloco-a durante o relacionamento com o cliente". Também Teresa sublinha que "o uso da máscaras dá mais segurança e conforto aos homens. O que não deixa de ser engraçado, porque muitos continuam a não querer usar preservativo". Aliás, no Porto, o transsexual Alice tem, à entrada de casa, álcool e termómetro. "E só vou atender os clientes habituais, porque o medo é muito grande", exclama.
Ana Loureiro garante que toma todas as precauções em tempo de covid-19 e as colaboradoras fazem o teste. "Estamos a fazer exames à covid-19 de sete em sete dias. Há raparigas que trabalham comigo, instaladas em hotéis, que rodam com outras e só se apresentam com o teste negativo", assegura.
Carla Fernandes, da direção técnica das Irmãs Oblatas, explica o que a associação tem visto no terreno, ao nível da proteção e higienização. "Foram distribuídos equipamentos de proteção individual, sempre que as mulheres o solicitaram. No contexto da rua, percebemos que, por uma questão de imagem, nem sempre têm a máscara colocada. No entanto, quando a equipa aparece colocam-na ou referem que têm na mala".
"Na intervenção em apartamentos, percebemos que existe uma maior preocupação com a limpeza, a desinfeção dos espaços e a higiene dos clientes", conclui.
Com o confinamento, a Internet ganhou força neste mercado. Além da proliferação de sites de prostituição (vulgo "escort"), agora é possível pagar a uma mulher por MB Way e até pontuá-la. "Existem, na Internet, fóruns onde os clientes partilham experiências que tiveram, dão coordenadas de GPS onde encontrar as mulheres nas estradas e falam sobre o seu desempenho", denuncia Conceição Mendes, da associação "O Ninho". "Algumas mulheres também participam e outras vão lá só para ver como é que os clientes" falam delas, complementa.
Novas formas
Há novas formas de prostituição, que nasceram das condições sanitárias impostas pela pandemia. Ana Loureiro, proprietária de uma casa de prostituição em Lisboa, garante que já chegou a Portugal o chamado "Buraco da Glória". A prostituta está separada do cliente por uma parede de pladur. "Cá é novidade e é quase sempre sem preservativo. E leva a outra questão: do outro lado pode estar uma menor".
Preços baixos
Há mulheres que estão aceitar este trabalho sexual em troca de cinco a 20 euros. Muitas fazem-no para sobreviver.