Os cuidados continuados de longa duração estão em risco, se o Governo não aumentar o valor da comparticipação por utente. A União das Misericórdias assegura que o financiamento público nunca foi suficiente para cobrir as despesas e ameaça com o fecho de valências ou redução de camas, se não for atualizado já a partir de janeiro.
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No fim do ano passado, em Lisboa e Vale do Tejo, onde há mais procura, a mediana do tempo de espera era de 67,1 dias. Há 4875 camas.
Manuel Lemos, que será hoje reeleito presidente da União das Misericórdias, é perentório: "Ou, no princípio do próximo ano, o Governo altera o valor ou, em 2020, vamos ter unidades a fechar. Se não pagarem, não há maneira". Também a ANCC há muito que denuncia o subfinanciamento dos cuidados continuados, sobretudo nas unidades de longa duração e manutenção, que tem levado "muitas unidades à rutura e ao seu iminente encerramento".
A comparticipação diária por utente é, hoje, de 62,25 euros. As misericórdias propõem uma subida de "seis ou sete euros". "Parece pouco, mas é muitíssimo. E se pensar que, numa cama de hospital, uma pessoa gasta ao Estado 400 euros por dia, é baratíssimo", disse Manuel Lemos.
Ao JN, o Ministério da Saúde disse que a atualização "é feita no início de cada ano civil e tem por referência a aplicação do coeficiente resultante da variação média do índice de preço no consumidor". Ou seja, está previsto um aumento em linha com a inflação, cujo valor será divulgado no dia 11.
Famílias devem cinco milhões
Além do Estado, também os utentes ou as famílias são chamados a suportar parte do custo do internamento. O valor é calculado mediante condição de recursos: quanto mais rendimentos tem o utente mais alto é o valor a pagar.
Manuel Lemos assegura, todavia, que também aqui há um buraco nas contas das misericórdias, que calcula em cinco milhões de euros , no global dos cuidados continuados. "Só há uma solução: pôr a família em tribunal, mas já viu quanto custa? São multiplicidades de pequenas importâncias, gasta-se mais a cobrar do que o valor da cobrança", lamentou.
Ao subfinanciamento soma-se, diz Manuel Lemos, a subida do salário mínimo, que não tem sido repercutida na mesma linha na subida das comparticipações do Estado. Para o aperto financeiro contribuem as cirurgias feitas para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que somam uma dívida de dez milhões de euros, mais cinco milhões que nem conseguem faturar (ler página seguinte).
As contas do ministério de Marta Temido são muito diferentes. "A dívida total reconhecida pelas entidades do SNS às entidades da União das Misericórdias Portuguesas no âmbito do SIGIC ascendia a 2,8 milhões de euros, em setembro de 2019", diz fonte oficial.
Quanto à impossibilidade de faturar, afirma que "o processo de validação de faturação (...) está a decorrer com os vários intervenientes" e que as regras "têm sido definidas em conjunto com todas as entidades envolvidas", incluindo "representantes das entidades prestadoras".
Das 446 vagas prometidas, só 87 estão a funcionar
No verão, António Costa autorizou a assinatura de acordos para a abertura de 446 novas vagas na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. O despacho, de julho, previa que todas abrissem até ao passado dia 1, mas só 87 estão já em funcionamento, disse o Ministério da Saúde. Até ao final do ano, estão previstas mais 86. As restantes 273 estão ainda à espera de licença de utilização, aprovação pela Proteção Civil ou entidade reguladora, contratação de pessoal, ligação elétrica, entre outros. O gabinete de Marta Temido prevê a abertura em março de 2020.
À lupa
Valências atuais
A rede tem unidades de internamento e equipas de acompanhamento. O internamento divide-se em unidades de convalescença (até 30 dias), de média duração e reabilitação (até 90 dias) ou de longa duração e manutenção (mais de 90 dias).
Descanso do cuidador
Os cuidadores informais podem pedir a uma unidade de longa duração que fique com a pessoa cuidada durante 90 dias seguidos ou interpolados. Mas é preciso que haja vagas.
Equipas ao domicílio
Acompanham pessoas cujo apoio familiar lhes permite viver em casa, mas que precisam de cuidados de saúde.