Velhas fábricas, prédios históricos ou até antigas prisões podem acolher atividades enquanto esperam por nova utilização. Lá por fora esta estratégia está cada vez a ganhar mais visibilidade, por cá, Lisboa, Guimarães e Vizela já deram passos para o reúso intermédio destes espaços, mas falta legislação para mais.
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O que fazer a uma casa, fábrica, edifício histórico ou outro qualquer imóvel sem atividade no meio de uma cidade enquanto não têm uma nova função? A solução para evitar o abandono pode ser o reúso intermédio, uma tendência que alastra na Europa e que por cá já vai dando alguns passos.
"A sociedade e as cidades mudam cada vez mais rápido", pelo que é "fundamental aproveitar os espaços abandonados", defende Pablo Costa, um arquiteto brasileiro a residir em Portugal que se prepara para defender, na Universidade de Lisboa, a tese de doutoramento sobre "O obsoleto e a cidade: o reúso intermédio no planeamento urbano".
O reúso intermédio é uma ferramenta muito rica, que está subaproveitada e tem um potencial enorme
Dar uso ao tempo intermédio desses espaços permite três coisas em termos de planeamento urbano: "aproveitar, testar/experimentar ideias e ativar os espaços, de forma a viabilizar o novo projeto de regeneração previsto". As atividades tanto podem ajudar a preservar memórias (de fábricas marcantes, por exemplo) ou a mudar a visão da população sobre um local que tenha uma carga negativa (como as prisões desativadas ou locais onde aconteceram acidentes).
O reúso intermédio, diz Pablo Costa, é uma "ferramenta muito rica, que está subaproveitada e tem um potencial enorme". E aponta o caso do Barreiro, que estudou mais a fundo, onde "30% do território está abandonado".
Mas esta que poderá ser uma nova estratégia de urbanismo em Portugal, emperra "na mentalidade e na legislação". "É difícil a população perceber a importância do intermédio para um grande projeto no futuro". Em Portugal, ao contrário de países como França, Alemanha, Holanda e Reino Unido, onde já há políticas e legislação, "ainda falta uma base de leis" que ajude a mudar a forma como se encaram estes tempos de transição nos imóveis.
Em Almada, a Universidade Nova integra o T-Factor, projeto europeu que tem o objetivo de ocupar espaços vazios com arte, cultura e tecnologia, criando valor público e reabilitando as cidades. A academia tem em mãos a reabilitação da antiga prisão militar da Trafaria, que dará lugar ao Instituto de Arte e Tecnologia.
Muitos processos de regeneração urbana permanecem incompletos e criam sérios problemas de exclusão
Enquanto o projeto final não é concluído, estão a ser planeadas para ali atividades como "visitas, poesia, um festival arte digital, documentação, recolha de fotografias e vídeos", enumera o professor Nuno Correia, da Nova de Lisboa. O objetivo, refere, é "acompanhar o tempo de espera com atividades artísticas, tecnologia e ciência, que conduzem aos planos finais". A comunidade é envolvida, "conhecendo e participando no processo", sublinha.
"O impacto do urbanismo temporário é transversal a todos os aspetos de nossa vida nas cidades. Basicamente, pode nos permitir criar e selecionar melhores futuros para as nossas cidades, encontrando novos usos para terrenos e edifícios que não poderíamos ter planeado tradicionalmente", explica, ao JN Urbano, Mick Finch, professor da Universidade das Artes de Londres, envolvido no T-Factor.
Este consórcio de investigação europeu tem vindo a detetar que "muitos processos de regeneração urbana permanecem incompletos e criam sérios problemas de exclusão". E o temporário "pode ser um caminho para melhores escolhas na transformação urbana, pois permite testar soluções e possibilidades antes de fazer escolhas difíceis de reverter". Também permite "práticas mais participativas e novas possibilidades imaginadas por inovadores urbanos, artistas, designers e fabricantes". Esta é "provavelmente, uma boa maneira para as cidades tentarem resolver desafios complexos, como mudanças climáticas, aumento da desigualdade e interrupções no trabalho", considera Finch.
Ainda em Lisboa, podem ser apontados como exemplos a Lx Factory e a fábrica Braço de Prata, antigas unidades fabris que receberam novos usos.
A norte também se encontram casos, ainda que muitos sejam efémeros. Em Guimarães, alguns dos eventos temporários que assinalaram aquela cidade como Capital Europeia da Cultura, em 2012, ocorreram em imóveis sem uso. Em Vizela, a Casa Azul, por exemplo, abriu portas à comunidade apesar de estar devoluta há anos.
"Contactou-se a proprietária, pediu-se autorização, fez-se uma limpeza e abriu-se a Casa Azul à comunidade da cidade, para uma festa e exposição de arte durante alguns dias", relembra João Sarmento, investigador da Universidade do Minho, que ajudou a coordenar o projeto "NoVOID - Ruínas e terrenos vagos nas cidades portuguesas: explorando a vida obscura dos espaços urbanos abandonados e propostas de planeamento alternativo para a cidade perfurada".
Risco de perder património
"Há espaços que estão abandonados e, nesse hiato de tempo, que pode ser mais ou menos longo, muitas coisas poderiam ser feitas de forma temporária e trazer vantagens às comunidades locais", refere. Mas "muitas vezes não acontecem porque se esta à espera de uma construção, uma alteração do PDM, da abertura de uma estrada ou financiamento", lamenta.
O "maior risco quando não se tem uma visão intermédia - incentivos, leis e normas flexíveis que permitam o uso intermédio - é perder o património", alerta agora Pablo Costa, para quem "a melhor forma de preservar e resgatar" é mesmo "utilizando".
A maneira "como se lida com os espaços abandonados, com legislações rígidas e, por vezes, obsoletas e ultrapassadas, acaba por fomentar o não-uso e até incentiva certas ilegalidades". Ter uma estratégia para usos intermédios "é perceber que o abandono é uma fase no desenvolvimento do espaço", que pode ser "aproveitada de imediato, preservando e valorizando o património", conclui