Os centros Qualifica, que se dedicam à formação de adultos até ao 12.º ano, estão a funcionar desde 1 de janeiro sem verbas. A denúncia vem de centros que já suspenderam trabalhadores a recibos verdes, e de professores, como Jorge Santos, que trabalham sem receber para não suspenderem as aulas. A agência pública responsável pelo aviso de financiamento recomenda que os centros usem a verba que lhes foi atribuída para pagar despesas de 2022.
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Até 31 de dezembro, o financiamento dos centros Qualifica foi assegurado por fundos comunitários do Portugal 2020. Desde então que os centros do país, exceto em Lisboa, estão à espera que a Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional (ANQEP) abra o aviso de concurso que garante o novo financiamento, ao abrigo do mecanismo de antecipação dos novos fundos europeus do Portugal 2030. O aviso pagará despesas desde 1 de janeiro, mas até que seja concluído - e ainda não foi lançado - não há verba.
"Já era do conhecimento de todos a transição entre quadros comunitários. Por isso, deviam ter sido acauteladas novas candidaturas entre o início de outubro e meados de novembro", explica Jorge Santos, professor de um Centro Qualifica que tem turmas em risco. "Eu só estou a dar formação porque me preocupo com os alunos. Não estou a receber e tenho vários formandos em conclusão que podem ter de esperar mais pelo diploma, porque os júris de certificação também têm custos", lamenta.
Ao abrigo de anonimato por recear perder o próximo financiamento, o coordenador de outro centro revela, ao JN, que já suspendeu um trabalhador a recibos verdes: "Pedi-lhe que não viesse em janeiro e em fevereiro, depois logo se vê".
Ganham quase o mínimo
O mesmo responsável diz ser "impossível" manter o centro aberto sem receita: "Temos um coordenador, que sou eu, mais dois técnicos de reconhecimento e validação de competências e três professores. Até junho, são mais de 30 mil euros e ganhamos todos 900 euros brutos, que, líquidos, dá quase o salário mínimo".
Os ministérios da Segurança Social e da Educação, que tutelam a ANQEP, remeteram as questões para a agência. Esta, por sua vez, respondeu que o concurso "será lançado brevemente" e que não está comprometido "o normal funcionamento da rede", pois os centros "dispõem de verba" relativa ao último aviso do ano passado. Estas verbas do concurso anterior, que em alguns casos também ainda não chegaram às instituições, destinam-se a pagar as despesas de outubro a dezembro de 2022 que os centros já adiantaram ou ainda têm em dívida, pelo que, em muitos casos, não poderão ser usadas agora.
O JN sabe que a ANQEP tem conhecimento das dificuldades. Num e-mail dirigido a Filipa Jesus, presidente da ANQEP, no início do ano, um centro escreveu que o atraso no concurso pode deixar "comprometida a continuidade da equipa" e "poderá levar à falência das instituições". Noutro e-mail, enviado a Filipa Jesus, a Associação Portuguesa de Entidades Formadoras pediu "resposta urgente" para o problema, pois os centros precisam de "gerir os recursos humanos e físicos, de forma a evitar despedimentos, gerir as expectativas dos adultos e a concretização dos objetivos".
Lisboa é a exceção e tem financiamento
Ao contrário dos centros Qualifica do resto do país, os de Lisboa têm financiamento garantido, pelo menos até junho deste ano, pois foi lançado um aviso de concurso com verbas do Programa Operacional Regional de Lisboa do Portugal 2020 que continua aberto, confirmou a ANQEP ao JN. O recurso a fundos do Portugal 2020 não foi autorizado para os restantes centros, que têm de esperar pelos avisos do Portugal 2030, que ainda não foram lançados.
Pormenores
O que fazem os centros Qualifica?
Desenvolvem as qualificações de adultos que queiram completar os 4.º, 6.º, 9.º e 12.º anos de escolaridade, reconhecendo as suas experiências de vida através do processo RVCC - reconhecimento, validação e certificação de competências.
Quantos alunos estão em formação?
O número de formandos está em constante alteração, pelo que não existe um número rigoroso atual. O que se sabe é que, em seis anos de atividade, os centros formaram, em média, 65 mil adultos por ano.
Quem os financia?
São fundos europeus. Até 31 de dezembro, o financiamento era do Portugal 2020 e, depois dessa data, passou a ser do Portugal 2030 (exceto em Lisboa). Já o pagamento aos formandos é financiado pelo PRR.