O ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, considera que a regra atual relativa aos cursos de Medicina "não faz sentido" e deixa promessa de melhorar salários de professores nos primeiros escalões.
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Portugal é um dos países da OCDE onde as famílias pagam mais pela educação pré-escolar. Há capacidade do Governo para fazer mais?
Vamos fazer mais nas creches e vamos fazer mais no pré-escolar. Em relação ao pré-escolar, temos o levantamento freguesia a freguesia de todas as necessidades e estamos a trabalhar concelho a concelho para garantirmos, na rede pública, o aumento de salas.
Quantas crianças estão sem vaga?
Ainda não temos números. Não consigo dizer, mas penso que neste momento são cerca de 12 mil.
Há quem considere essa fase decisiva no processo de aprendizagem.
É muito importante. Penso que foi um erro que Portugal fez, voltando à igualdade de oportunidades. Há evidência científica que mostra que as competências que os alunos têm até aos cinco anos são, em grande medida, determinantes. Estamos a começar a olhar para a creche não apenas como um lugar onde os pais que precisam de trabalhar deixam a criança, mas como um lugar onde começa o processo educativo. Esse trabalho não foi feito, foi uma opção política quase dos anos 1980. Na rede pública já criámos desde julho cerca de 150 salas adicionais, 25 crianças por sala, a rede pública está a responder, os serviços do Ministério estão a interagir diretamente com as autarquias para garantir salas adicionais e vamos protocolar com as instituições sociais e privadas para conseguirmos ter mais vagas.
Não haverá recuo na gratuitidade?
Não haverá recuo na gratuitidade.
Embora haja críticas em relação a atrasos na clarificação de regras por parte das IPSS. Esses problemas já estão resolvidos?
Vamos ter novidades em breve, em princípio na próxima semana. Envolve o Ministério da Educação, mas envolve sobretudo o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Um dos problemas que surgiu com a Creche Feliz foi o modelo de financiamento para as instituições de solidariedade social. O valor da creche é muito mais elevado do que do pré-escolar, e é natural que seja porque os custos são muito mais elevados. Mas isso criou um incentivo para que fossem deslocadas as salas do pré-escolar para a creche, o que gerou depois um défice no pré-escolar. Costumo dizer que isto são problemas bons, causam muita ansiedade às famílias mas é o sistema a crescer por termos mais alunos. Há 10 anos andávamos a fechar escolas, a fechar salas, tínhamos pessoas a mais. Hoje o país está num ciclo completamente diferente. Temos mais alunos, temos mais necessidades e também estamos a apostar muito mais na educação.
No acesso ao Ensino Superior, este ano houve algumas alterações no top 10 dos chamados cursos de excelência, com casos como a Engenharia de Dados e Inteligência Artificial. Vê estes sinais como alterações de paradigma ou como casos pontuais? Entende, por exemplo, que o caso da Medicina, que cai este ano nas médias, tem a ver com a crise que vivemos no SNS?
A Medicina continua a ter alunos excecionais e a ter uma enorme procura. É uma área de excelência em Portugal. Aliás, é uma área que tem excelentes escolas, excelentes faculdades e que tem um potencial enorme de internacionalização.
Mas temos de resolver os nossos problemas antes disso?
Não, não, discordo totalmente. Essa é uma das mudanças que queremos fazer. O Ensino Superior tem de ser pensado no contexto internacional. Em quatro décadas, o Ensino Superior português conseguiu criar instituições que, em algumas áreas específicas, estão a nível do melhor que se faz a nível internacional. Isso foi feito com duas condições. A primeira foi a internacionalização, ou seja, esses projetos não se desenvolveram a pensar em nós, foi a pensar no Mundo. Quando pensamos no Mundo, é a melhor forma de sermos melhores para nós. A outra condição foi a autonomia das instituições de Ensino Superior para poderem desenvolver os seus projetos.
O problema está nas condições para depois fixar esses alunos profissionalmente no país.
Não podemos olhar para o Ensino Superior, e em particular na Medicina, como estarmos a formar médicos para Portugal. Aliás, a evidência tem mostrado isso, formamos e eles são tão bons que depois conseguem ir trabalhar para qualquer país no Mundo. O que é que temos de fazer? São duas coisas que devíamos separar. As faculdades de Medicina têm de continuar a fazer o excelente trabalho e ter condições ainda para fazer um trabalho melhor. As faculdades de Medicina estão proibidas de receber estudantes internacionais, à semelhança do que acontece com a maior parte dos cursos em Portugal, com o argumento de que há estudantes portugueses que vão para fora e então não vamos deixar vir estrangeiros. É uma forma de olhar para o Ensino Superior que não é a melhor.
Pretende alterar essa regra?
A forma de garantir o melhor ensino possível para os portugueses é precisamente ter um Ensino Superior que está sempre em diálogo, alinhado com aquilo que se faz internacionalmente.
Então vai desbloquear, é isso?
Vou desbloquear, não faz sentido.
No próximo ano letivo?
Sim, sim. No acesso, essa restrição é um argumento puramente demagógico porque vamos conseguir dar melhores condições aos alunos portugueses se estivermos a receber alunos internacionais. Aliás, é isso que está a acontecer em outras áreas. Hoje somos vistos como um país que consegue gerar talento de qualidade, que tem um ensino de qualidade para a qualificação ao mais alto nível, vêm pessoas dos países mais desenvolvidos estudar para Portugal, e é isso que depois vai beneficiar os nossos estudantes. Eu disse sempre que uma universidade que queira ser regional nem regional é. Uma universidade para ter impacto regional tem de querer ser internacional. E as universidades portuguesas e os politécnicos têm feito esse caminho, aliás tem sido uma das boas surpresas nestes cinco meses, neste cargo. Temos instituições que não só têm excelentes projetos, como têm muita ambição e estão mesmo com grande dinamismo. Esta é a grande esperança para mudar o país.
Vai criar um problema à colega da saúde, na atratividade dos médicos.
Mas isso aplica-se a todas as áreas, confirmando aquilo que eu estava a dizer sobre a qualidade do nosso Ensino Superior. Temos de tornar o nosso país cada vez mais um país de oportunidades. Hoje temos jovens que querem ir trabalhar para os Estados Unidos, para a NASA. O mesmo pode acontecer numa empresa em Portugal, e existe, felizmente: temos engenheiros da área aeroespacial que estão a trabalhar em Portugal e a produzir tecnologia para todo o Mundo. Aliás, temos muitas empresas estrangeiras que vêm para Portugal precisamente para aproveitar o talento que conseguimos gerar cá.
É inevitável falar do alojamento. Como é que se explicam os atrasos no plano de alojamento para o Ensino Superior e que medidas adicionais pretende tomar?
Todos os dias olhamos para a execução, estamos a acompanhar em várias áreas. Isto acontece com as escolas profissionais e acontece com as residências, tenho três pessoas no meu gabinete a acompanhar os vários projetos que são financiados pelo PRR e a prioridade tem de estar claramente na execução dos projetos que têm fundos europeus. Obviamente vamos ter de fazer mais investimento a seguir, mas nesta fase temos uma dificuldade de realização. As empresas de construção não conseguem responder aos pedidos todos porque o PRR está a ser executado em Portugal e em toda a Europa e são muitos projetos ao mesmo tempo. O que estamos a fazer é identificar os que têm capacidade de execução, dar-lhes do ponto de vista administrativo todo o apoio.
Até ao final do ano todos os projetos vão estar em andamento?
Eles estão em andamento e naqueles em que isso não acontece e em que admitiram que não tinham capacidade de realização está a haver reprogramação. Estão a entrar outros que tinham ficado fora. Temos tido desistências, infelizmente, nas últimas semanas, porque demos até este mês. Mais uma vez, é uma área onde não houve investimento durante muitas décadas e que teve a ver com o modelo que foi escolhido para alojar os estudantes, que era muito na base do arrendamento. O alojamento é de facto neste momento uma restrição ao acesso e ao sucesso escolar, porque há aqui uma dimensão de integração. Esse papel foi ignorado pelas instituições durante muitos anos.
Haverá novas medidas na ação social?
Já contratámos um estudo, foi um concurso público e ganhou um centro de investigação da Universidade Nova de Lisboa, para fazer uma análise de todo o sistema de ação social do Ensino Superior. Mais uma vez, é uma manta de retalhos, é uma soma de medidas que não nos garante que, de facto, as decisões tomadas beneficiam a equidade e o sucesso dos estudantes no Ensino Superior. O objetivo que temos, no próximo ano letivo, não é rever o regulamento de bolsas que existe neste momento, é fazer um novo regulamento. Estar a rever uma coisa que já é uma manta de retalhos, arriscamo-nos a continuar a ter um regulamento que é inconsistente.