Governo criou grupo de trabalho para rever oferta e alargar rede para que capacidade de resposta seja maior.
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Desde 2015, o número de adultos estrangeiros inscritos em cursos de Português aumentou mais de 500%: de 1400 para mais de 7000 formandos, matriculados este ano letivo, revelou ao JN o Ministério da Educação. A subida na procura já levou o Governo a criar um grupo de trabalho para rever e alargar a oferta. A nova portaria, assegura a secretária de Estado para a Integração e as Migrações, Cláudia Pereira, "deve ser publicada nos próximos meses" de modo a ser aplicada "a partir do próximo ano letivo".
Os cursos de Português para Falantes de Outras Línguas (PFOL) são dirigidos a adultos, lecionados em escolas públicas e centros do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Este ano letivo, abriram mais de 300 cursos, uma resposta insuficiente e que revela "alguns constrangimentos". Por exemplo, aponta a governante, a adaptação dos horários a necessidades pós-laborais, "pois quem trabalha na restauração ou nas limpezas só consegue disponibilidade mais ao final do dia".
A formação está organizada por unidades curriculares. Um das intenções é integrar estes cursos no sistema nacional de qualificações.
O objetivo do Governo, explica ao JN Cláudia Pereira, é não só garantir o ensino da língua como promover a integração dos imigrantes. Não só os conteúdos serão revistos como a rede alargada aos centros Qualifica para aumentar a capacidade de resposta.
NEPALESES SÃO EXEMPLO
O alargamento é justificado não só pela procura crescente como pela necessidade, transmitida por empresas, de terem de recorrer a tradutores devido à diversificação recente das nacionalidades dos emigrantes. Outra intenção, revela Cláudia Pereira, é depois de concluídos os cursos, incentivar estes emigrantes a ingressarem noutras formações, já oferecidas pela Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP) através dos centros Qualifica. Nomeadamente nas áreas da agricultura, turismo e restauração - as três apontadas como as mais carentes de mão de obra qualificada pelo patronato e associações do setor, assegura a secretária de Estado. A celebração de protocolos com empresas é a estratégia delineada para facilitar a integração.
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) confirma a carência de mão de obra, especialmente sazonal na apanha da fruta, nas regiões de Odemira, Algarve e também nas vinhas do Douro.
"São tarefas que têm de ser feitas à mão" e exigem muita mão de obra, explica Luís Correia Mira. A intenção do Governo, considera, é por isso "positiva" para o setor. O secretário-geral da CAP dá um exemplo: os trabalhadores nepaleses são os mais procurados para a apanha da framboesa. Mãos pequenas, maior capacidade de concentração e de paciência para suportarem rotinas são características que os tornam torna-os dos trabalhadores mais rentáveis nesta atividade, garante. A confirmá-lo, os prémios de produtividade que e cumulam ao salário base e que chegam aos três mil euros por mês. "Os números falam por si."
Formações gratuitas de 150 horas lecionadas em 122 escolas
Os cursos do Programa Português para Todos são gratuitos. A formação está organizada por unidades curriculares e níveis de proficiência - A2, Utilizador Elementar e B2, Utilizador Independente, de acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Ambos os cursos têm a duração média de 150 horas, variado consoante a organização de cada escola ou centro de emprego e formação profissional. No caso das escolas, a idade mínima de inscrição é 15 anos, nos centros é 18 anos. De resto, o único requisito de acesso é o título válido de residência. Os certificados correspondentes a estes dois níveis de proficiência dispensam da prova de Português para acesso à nacionalidade. Estes cursos são financiados por programas comunitários, como o POISE (Programa Operacional Inclusão Social e Emprego).
EM CINCO TURMAS CABEM ALUNOS DE 32 NACIONALIDADES
A Escola Secundária Francisco de Holanda, em Guimarães, nunca teve tantos estrangeiros a aprender Português.
A cada ano que passa é maior a procura e o sucesso do projeto "Português para Falantes de Outras Línguas" na escola Secundária Francisco de Holanda, em Guimarães. A iniciativa de ensinar a Língua Portuguesa a cidadãos estrangeiros que residem na cidade berço começou em 2013 com uma turma e todos os anos a procura tem sido maior, ao ponto de chegar ao ano letivo atual com cinco turmas.
São cerca de 150 alunos de 32 nacionalidades "muito heterogéneas", revela a professora Maria Manuel Pinto, coordenadora do programa Qualifica naquela escola, destinado à educação de adultos. Entre os vários cidadãos que estão ali a aprender português há origens tão díspares como Irão, Venezuela, Rússia, Itália, Finlândia, Índia, Nepal ou Palestina.
Há, ainda, cidadãos com habilitações literárias muito distintas e diferentes motivos para estarem em Portugal. Há desde refugiados a filhos de imigrantes, passando por estudantes ou investigadores.
doutorando quer falar
Zahir Namoura, de 28 anos, é palestiniano e está em Guimarães a tirar o doutoramento em Engenharia Civil na Universidade do Minho. "Vim aprender para poder comunicar com melhor os portugueses, porque nem todos falam inglês e nenhum fala árabe", justifica Zahir. Embora esteja em Portugal desde setembro de 2018, foi só um ano depois que decidiu frequentar as aulas de Português para Falantes de Outras Línguas.
Zahir integra a turma mais recente, atualmente a aprender as profissões depois de já saber o abecedário, naquela que será uma formação de 150 horas, uma hora por dia em período pós-laboral, que lhe dará o nível A1 e A2 da língua de Camões, equivalente a português básico.
Ainda assim, as 150 horas de formação estão longe de ser só para aprender português. "Eles têm módulos ligados ao trabalho, às questões culturais, à saúde e hábitos alimentares", exemplifica Maria Manuel.
A professora adianta ainda que os grupos que se juntam em cada turma criam laços entre si que se estendem para lá da sala de aula. A escola também fomenta isso, pois já organizou visitas de estudo a espaços da região como a Casa da Memória de Guimarães ou as caves do vinho do Porto, "porque também é importante conhecerem, não é só ensinar a língua".
É, no fundo, um programa de integração social vital para muitos deles. "Nota-se que há alunos que dependem da língua para se integrarem, porque se não falarem também não conseguem emprego", constata Lúcia Figueiredo, uma das professoras de Português da escola que aceitou ser formadora neste programa de educação de adultos.