A partilha de dados de saúde, com quem se partilha e equipamentos que não estão preparados para ataques cibernéticos foram alguns dos problemas apontados numa sessão promovida pela Ciência Viva esta quinta-feira. Uma sessão que também abordou o ataque recente às bases de dados do hospital Garcia da Horta, em Almada.
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Paula Lobato Faria, professora associada da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, alertou esta quinta-feira, numa sessão intitulada "Onde param os nossos dados de saúde?", promovida pela Ciência Viva, para algumas razões por que existem tantos ataques cibernéticos a bases de dados de saúde: os equipamentos médicos não estão equipados para lidar com ciberataques, estão desenhados para salvar vidas; os dados médicos pessoais são muito valiosos, o que leva a chantagem; os profissionais de saúde representam uma profissão de elevado risco, que conduz à exaustão e podem-se despreocupar; e muitos profissionais de saúde não são sensibilizados para questões do tratamento de dados pessoais, apontou.
Rosalvo Alves, conselheiro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), referiu que a confidencialidade dos dados de saúde parte da confiança que cada pessoa tem à entidade a quem os entrega, referindo que muitas vezes "a responsabilidade parte de nós".
Numa sessão que também contou com Alexandre Francisco, professor associado do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Superior Técnico, foi discutido o destino e utilização dos dados médicos de cada um. Uma discussão, com direito a perguntas do público, onde foi também abordado o recente ataque às bases de dados do Hospital Garcia da Orta, em Almada.
"Os dados de saúde, tal como o que é previsto na lei em relação aos dados genéticos, são de extrema importância", afirma Paula Lobato Faria. Refere que é proibido tratá-los, mesmo que o conceito de regime de exceção seja lato. "A lei também prevê, no processo clínico, que os médicos podem tratar dados pessoais. O que entra em conflito com a proteção de dados", disse, alertando para esta contradição.
Alexandre Francisco, que é coordenador técnico do ELIXIR Portugal, um consórcio que integra a rede nacional de dados biológicos BioData.pt, e que têm grande experiência nesta área, explica que a questão não é tão simples de lidar.
"Grande parte dos sistemas de saúde são criados por terceiros e não pelos profissionais de saúde. Muitos destes dados são tratados por pessoas que não são profissionais de saúde, como programadores." Alexandre Francisco também refere que, se formos ver a lei, é "irrealista" que seja só um médico a ver o processo, que é algo que passa por muitas pessoas até chegar ao profissional de saúde."
"Confidencialidade tem os dias contados"
Rosalvo Almeida refere que, de todas as palavras no léxico atual, a palavra confidencialidade é a que está na ordem do dia, tal como a privacidade. "Queremos muitas vezes manter as coisas na nossa esfera pessoal, mas ao mesmo tempo a curiosidade motiva as pessoas a partilhar coisas como 'eu tenho um cancro'". Refere que esta partilha de dados causa danos às próprias pessoas e que concorda, mesmo que parcialmente, que a "confidencialidade tem os dias contados."
Paula Lobato Faria menciona o princípio da confidência necessária, ou seja, "que os profissionais de saúde não podem ter conhecimento de todos os dados de saúde de todos os doentes." Diz que um médico só pode reconhecer dados de doentes que tem uma ação médica ou preventiva, de forma a não criar um elo emocional." Mas, ao mesmo tempo, Paula Lobato Faria afirma que "a lei, tal como dizia Kant, vem sempre em último lugar", descrevendo que muita da jurisprudência que existe, e que citou, veio de Espanha.
Pesquisar deixa rasto
Alexandre Francisco é ainda mais apreensivo. "Muitas vezes, ao pesquisarmos informação num motor de busca como o Google, estamos a dar dados, que são guardados. Ou seja, uma pessoa que trabalha numa empresa como a Google não precisa de saber quem somos, mas sabe tudo sobre nós através do que pesquisamos." Afirma que uma boa forma de contrariar isto é que as pesquisas sejam feitas sem usar as contas pessoais de email.
A meio da sessão, uma das perguntas centrou-se na questão "quando e como é que um médico pode consultar ao meu testamento vital?". Rosalvo Almeida diz que já existe uma solução, que é o facto de haver um aviso de cada vez que alguém acede ao nosso testamento vital, tendo que dar uma explicação. Paula Lobato Faria afirma que essa é uma solução prática que pode ser aplicada em outros casos, porque remete para um fator de decisão pessoal. Alexandre Francisco concorda e menciona o reforço da literacia digital, que é algo que existe vagamente nas escolas.