O líder do PS admitiu governar "diploma a diploma" caso vença as legislativas sem maioria absoluta, tal como chegou a fazer António Guterres no primeiro governo (1995/1999), embora tenha admitido que essa é uma solução "difícil". A questão, que tem sido levantada de forma insistente pelo PSD e pelo líder Rui Rio, foi respondida pela primeira vez por António Costa.
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Rio começou por desafiar Costa, considerando que este parte "em desvantagem" porque "não é claro relativamente ao que faz em cada um dos cenários possíveis". "Se o dr. António Costa ganhar com maioria relativa, o que é que faz?", insistiu o líder do PSDno arranque do frente a frente desta quinta-feira nos três canais generalistas. E explicou: Costa "diz 'com o PSD não falo', mas 'com a geringonça também não'".
O líder do PS respondeu: "Nunca voltarei as costas aos portugueses. Desde que não perca as eleições, cá estou para encontrar uma boa solução de Governo". Costa lembrou o "modelo clássico" do primeiro Governo de António Guterres onde "íamos negociando diploma a diploma". "Foi difícil e levava mais tempo, mas foi possível", referiu. Recorde-se que nessa altura António Costa foi primeiro secretário de Estado e depois ministro dos Assuntos Parlamentares.
Mas o líder do PS admitiu que poderá haver uma outra solução que não o coloque na dependência nem da Esquerda nem do PSD: "Não me esqueço que houve um partido que não contribuiu para esta crise, que foi o PAN. Não sei que representação parlamentar o PAN vai ter...".
SNS "falhou", acusa Rio
Rio defendeu que o Governo "falhou" sobretudo a nível económico e no que toca aos serviços públicos, "com particular incidência no SNS". Disse não estar "nada arrependido" de ter feito uma "oposição civilizada" durante a pandemia, mas prometeu virar a página, uma vez que "há tempo para tudo".
Já para Costa, o líder do PSD "preocupa-se muito com os números e isso tornou-o insensível para as pessoas"; - era contra a redução das propinas; "muitas vezes, trata temas centrais com alguma frescura ou ligeireza".
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi tema de profunda divisão entre os dois líderes partidários. Rui Rio acha que o modelo atual dá "fraca resposta", António Costa compara-o "com o melhor a nível mundial". O Governo PSD/CDS falhou, em 2011, a promessa de assegurar um médico de família para todos os portugueses. O Governo PS de 2015 também a falhou. Rui Rio promete agora consegui-lo "rapidamente".
Primeiro, para "tapar o buraco", propõe contratar médicos assistentes para todos os portugueses através da "contratualização com serviço privado". Entretanto, em paralelo, "vamos procurar que o maior número possível, de preferência todos, tenham um médico de família". Em condições normais, assegura, haverá "um médico de família para todos até ao fim da legislatura".
António Costa retorquiu que a solução "não é andar a financiar ao lado", leia-se no privado, e promete "continuar a reforçar o SNS". Os seis últimos anos de Governo do PS acrescentaram "mais 28 mil funcionários públicos ao SNS em termos líquidos", assegura, e o efeito da pandemia está recuperado ao nível da produção pois houve mais 2606 cirurgias em 2021 do que em 2019, mais 3,3 milhões de consultas nos cuidados de saúde primários e mais 33 468 consultas nos hospitais.
Na Justiça, as perceções também são diferentes. Rio faz um retrato que "é mau". Diagnostica problemas de morosidade, parco cumprimento do segredo de justiça, falha no combate à corrupção e prescrições "que os portugueses não percebem como é que ficam por julgar". Já Costa distingue que a justiça "são várias realidades". A cível baixou em 47% as pendências, a administrativa e fiscal tem um nível de pendências "dramático", a penal "também é muito desigual" com processos simples que andam rápido e "processos difíceis que se arrastam, infelizmente, por muito tempo".
Na TAP, outra divisão. António Costa lembra que "se o Estado não tivesse readquirido 50% do capital, quando o senhor Neeleman foi à falência em todo o Mundo, a companhia ia também". Antes que Rio fosse defender a privatização, Costa recordou que a companhia gera 3 mil milhões de euros de exportações anuais e compra 1300 milhões de euros de produtos e serviços a empresas portuguesas.
No entanto, Rui Rio voltou a ser favorável à privatização e com duras críticas à companhia que recebeu 3200 milhões de euros quando a receita de IRC do país são 5000 milhões de euros. "Isto não é aceitável. Empresa que se diz de bandeira e que apenas serve o aeroporto de Lisboa e não liga nada ao resto do país. E mesmo o aeroporto de Lisboa serve de forma indecente", disse, para exemplificar que, num voo de Madrid a São Francisco com escala em Lisboa um espanhol "paga 190 euros" e um português, a partir de Lisboa, "paga 600 euros". Para Rio, isto "é revoltante" e por isso promete privatizar a TAP "o mais depressa possível", com condições: "Não é para amanhã porque não vou vender mal, vou vender bem".
O debate teve uma duração de uma hora e quinze minutos - cerca de 50 minutos a mais do que todos os outros. Há dois anos, o frente-a-frente entre os mesmos protagonistas foi visto por 2,66 milhões de pessoas.
A pré-campanha tem sido marcada pela questão da governabilidade do país e dos acordos que o partido vencedor fará após as eleições. Rio alega que Costa "não diz o que vai fazer" caso o PS vença sem maioria absoluta, insistindo que os socialistas devem esclarecer se irão aproximar-se da Esquerda ou da Direita.
António Costa, contudo, tem evitado responder de forma direta a essa questão, pedindo aos portugueses "uma maioria estável e duradoura". Desde o chumbo chumbo do Orçamento do Estado, o líder socialista endureceu o discurso para com BE e PCP, tendo já rejeitado uma reedição da geringonça após a ida às urnas.
Em 2019, o PS venceu as eleições com maioria relativa, tendo alcançado 36,34% dos votos e conseguindo eleger 108 deputados. O PSD ficou-se pelos 27,76%, correspondentes a 79 parlamentares.