Os debates quinzenais com o primeiro-ministro, a que PS e PSD puseram fim esta quinta-feira, surgiram em 2007, após um desafio de Paulo Portas a José Sócrates, e realizaram-se a partir do ano seguinte, durante 12 anos e meio.
Corpo do artigo
12459198
O primeiro debate quinzenal na Assembleia da República realizou-se a 9 de janeiro de 2008, com José Sócrates na chefia do Governo, e o último no dia 3 de junho, com o atual primeiro-ministro, António Costa.
Antes, foi também num período de governação do PS, em 1996, que se consensualizou o modelo de debate mensal com o primeiro-ministro, que na altura era António Guterres.
Agora, 24 anos depois, o primeiro-ministro passa a estar obrigado a comparecer perante os deputados de dois em dois meses para sessões de perguntas no parlamento, podendo, contudo, se quiser, estar presente todos os meses.
A proposta hoje aprovada pela maioria dos deputados do PS e do PSD substitui o "debate com o primeiro-ministro" por um "debate com o Governo", que se realiza "pelo menos mensalmente", em "dois formatos alternados", um em que é obrigatória "a presença do primeiro-ministro" e outro "com uma intervenção inicial do ministro com responsabilidade sobre a área governativa sobre a qual incide o debate, tendo o primeiro-ministro a faculdade de estar presente".
Até à última grande revisão do Regimento, em 2007, os debates eram mensais, sempre com uma intervenção inicial do primeiro-ministro e três rondas de perguntas. Prolongavam-se habitualmente para além das duas horas e meia previstas e chegavam a durar quatro horas.
12446190
Foi no dia 27 de abril desse ano que Paulo Portas, recém-eleito presidente do CDS-PP, se estreou num debate mensal com este desafio a José Sócrates: "Está disponível para aceitar um sistema democrático de controlo de Governo, hoje e para o futuro, em que o primeiro-ministro venha uma vez por semana ao parlamento, numa sessão mais curta e com respostas mais rápidas?".
"Eu acho que este debate mensal com o primeiro-ministro podia e devia ser mudado: mais vezes e menos tempo", respondeu o então primeiro-ministro e secretário-geral do PS, partido que pela primeira vez tinha maioria absoluta na Assembleia da República. "Estou muito disponível para, entre todos os partidos, se conseguir um novo método de debate e avaliação do Governo", acrescentou José Sócrates.
No mesmo dia, deu entrada no parlamento uma proposta do Bloco de Esquerda (BE) para, entre outras alterações ao Regimento, instituir "um debate quinzenal com o primeiro-ministro, sem tema pré-fixado, a uma só ronda", em que continuaria a haver "uma intervenção inicial" do chefe do Governo.
Nesse momento da X Legislatura estava já em curso um processo de reforma do funcionamento da Assembleia da República lançado pelo grupo parlamentar do PS liderado por Alberto Martins, que em novembro de 2006 tinha encarregado António José Seguro de elaborar um conjunto de propostas para discussão interna, com a colaboração de outros colegas de bancada.
12457475
Seguro apresentou no dia 28 de março de 2007 dentro do PS um relatório com mais de 90 recomendações, que esteve na origem, por exemplo, da consulta pelos cidadãos das faltas e registos de interesses dos deputados na Internet. Mas não sugeria mudanças na periodicidade dos debates com o primeiro-ministro, apenas "a eliminação das segunda e terceira rondas, reduzindo-se a cerca de metade os tempos do debate".
Embora o PS tivesse maioria absoluta para aprovar sozinho uma reforma do parlamento, o socialista Jaime Gama, que era o presidente da Assembleia da República, convocou no início de 2007 todos os partidos a participarem neste processo com propostas alternativas, que deveriam depois ser concertadas num grupo de trabalho, para que houvesse novas regras aprovadas até ao verão.
Só o PSD, que tinha como presidente Luís Marques Mendes e Luís Marques Guedes como líder parlamentar, não apresentou uma proposta de alterações ao Regimento, mas participou no grupo de trabalho criado na Comissão de Assuntos Constitucionais, coordenado pelo deputado socialista António José Seguro.
O BE foi o primeiro a apresentar uma iniciativa, no dia 27 de abril. No dia 3 de maio de 2007, os restantes partidos, CDS-PP, PCP, PEV e PS, entregaram os respetivos projetos, sugerindo diferentes modelos de debate com o primeiro-ministro, que foram discutidos ao longo de semanas.
O CDS-PP defendia, nos termos do desafio feito por Portas a Sócrates, um "debate semanal com o primeiro-ministro", ao estilo britânico.
O projeto do PS, semelhante ao do BE nesta matéria, estabelecia que "o primeiro-ministro comparece, quinzenalmente, perante o plenário para uma sessão de perguntas dos deputados", cabendo-lhe a "intervenção inicial".
O PCP propunha manter um regime mensal, mas "acabando com a intervenção inicial do primeiro-ministro e tornando o debate numa sessão de perguntas", assim como o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV), que queria, contudo, que estas sessões continuassem a ser "desenvolvidas em três voltas".
Todas estas iniciativas seriam retiradas em julho, em favor de um texto de substituição consensualizado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O modelo de debates com o primeiro-ministro foi um dos últimos pontos acertados no grupo de trabalho coordenado por António José Seguro.
A solução surgiu no dia 6 de julho: debates com o primeiro-ministro de quinze em quinze em dois formatos alternados, um aberto pelo chefe do Governo e outro iniciado com as perguntas dos partidos. Neste segundo formato, o PSD queria que coubesse sempre ao maior partido da oposição a primeira intervenção e não aceitou a rotatividade.
Por discordar dessa norma, o PSD quebrou o consenso e votou contra o novo Regimento da Assembleia da República, que foi aprovado em plenário no dia 19 de julho de 2007 com votos favoráveis de PS, PCP, CDS-PP, BE e PEV.
Os debates mensais só passaram a quinzenais quando terminou a presidência portuguesa da União Europeia, mas em setembro já se aplicaram novas regras: uma só volta de hora e meia, em vez de três voltas, com tempos globais que os partidos e o primeiro-ministro podiam gerir como quisessem.
José Sócrates foi o primeiro chefe de Governo a participar num debate quinzenal, no dia 9 de janeiro de 2008, que ficou marcado pelo anúncio formal da decisão de ratificar o novo tratado europeu no parlamento e não propor um referendo, uma opção que levou o BE a apresentar uma moção de censura.
Passado um mês, os partidos da direita à esquerda elogiaram o novo modelo em vigor e a oposição foi adotando a tática, inaugurada por Paulo Portas, de fazer perguntas mais diretas e breves, para resposta imediata do primeiro-ministro.
O atual secretário-geral do PS e primeiro-ministro, António Costa, criticou mais tarde, em novembro de 2013, o modelo dos debates quinzenais, apontando-os como "uma das invenções mais estúpidas que a Assembleia da República teve nos últimos anos", em que as lideranças parecem assumir "o objetivo de matar o adversário".
"Qual tem sido a consequência disto? Se formos ver bem, tem sido a deterioração cada vez mais generalizada das relações interpessoais entre os diferentes interlocutores naqueles debates. E, quer queiramos quer não, isto é um fator que condiciona brutalmente a possibilidade da eficácia da consensualização política", sustentou, no programa da SIC "Quadratura do Círculo".
No início deste mês, perante a proposta do PS para acabar com este modelo, substituindo-o por debates com o Governo em que o primeiro-ministro poderá estar só de dois em dois meses, Costa remeteu a questão para o parlamento.