Virologistas admitem que pandemia pode piorar em novembro e motivar medidas restritivas regionais. Economia recusa.
Corpo do artigo
Só uma eventual rutura do Serviço Nacional de Saúde (SNS) - que, segundo dados recentes da ministra Marta Temido, já tem ocupadas mais de metade das camas de cuidados intensivos e enfermarias dedicadas à covid-19 - pode ditar um novo confinamento em Portugal, que o primeiro-ministro tem posto de parte. Sábado, o país registou o terceiro maior número de casos positivos desde março (963) e 12 mortes. A acontecer, poderá verificar-se em meados de novembro, mas a nível regional e e segmentado por atividades económicas. Esta é a perspetiva de virologistas nacionais, para quem a decisão de fechar o país é "meramente política" e sobrepõe-se às recomendações das autoridades de saúde.
António Costa já avisou que "seria inimaginável repetir no Natal o que tivemos de fazer na Páscoa": fechar-nos em casa e impedir deslocações no país. E os setores económicos mais afetados pela crise, ouvidos pelo JN, partilham do aviso do primeiro-ministro, ao admitir que não aguentam um novo confinamento.
Para o virologista Celso Cunha, "o confinamento é uma decisão política, e não técnica, como aconteceu em março. A acreditar nos moldes da primavera, a opção pode passar por medidas condicionantes de movimentos e da liberdade de reunião". "Será suficiente? Medidas avulsas podem não ter efeito, se não forem abrangentes e em conjunto. Com a rutura do SNS e os expectáveis piores números em novembro, talvez seja inevitável confinar parcialmente regiões e atividades, onde a incidência for maior", referiu o especialista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
Na última reunião do Infarmed, a 7 de setembro, no Porto, a dias do começo das aulas, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes usou um modelo de estudo, que cruzou com vários dados, entre eles os do inquérito serológico, para recomendar ao Governo a redução dos contactos. O objetivo era evitar o aumento das hospitalizações.
Nas mãos dos cidadãos
Para Pedro Simas, virologista do Instituto de Medicina Molecular, os hospitais têm mostrado resistência. "No pico da primeira vaga, o SNS não ficou sobrecarregado. Nestes meses, aumentámos a testagem, consolidámos os três C [que, em inglês, se referem às regras de contactos em espaços fechados, em multidões e próximos] e generalizámos o uso da máscara e higiene das mãos. Agora, há mais infeções em pessoas novas e o número de infeções por 100 mil habitantes é semelhante a março. Então, ainda estamos com um número seguro", explicou, ao JN, frisando que "a responsabilidade está nos cidadãos e não tanto nas instituições e Estado".
Celso Cunha admite que, "como não foram revogadas algumas importantes medidas em Portugal, talvez daí os dados menos preocupantes que noutros países, como em Espanha, onde os bares e as discotecas reabriram" em junho.
A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) lembra isso mesmo: "não houve uma abertura como lá fora" e apela que "não se retroceda a março". "Temos atividades com limitações consideráveis: restauração reduzida, discotecas e bares em total confinamento, parques de campismo a meio gás", alegou, ao JN, Ana Jacinto, da AHRESP, que frisou que "o mês de agosto não permitiu nenhuma recuperação". "O confinamento é uma não hipótese para um setor que tem cumprido todas as regras e que aguarda medidas de incentivo e recuperação", acrescentou.
A CCP - Confederação do Comércio e Serviços também crê que "dificilmente haja meios para segurar a economia e evitar a depauperização coletiva com um confinamento". "Ao arrastar problemas de endividamento, moratórias e lay-off desde março, a economia rebentaria", concluiu João Vieira Lopes, líder da CCP.