A ILGA continua a receber denúncias de práticas violentas de conversão de pessoas LGBTI, pressionadas por médicos, para negarem a sua orientação sexual ou identidade de género. O medo e a vergonha calam as denúncias e, quando as fazem, nada sucede, porque a lei não prevê a punição dessas ações. O Parlamento debate, esta quarta-feira à tarde em plenário, projetos de lei do PS, BE, PAN e Livre para criminalizar essas práticas e permitir que a autoderminação seja efetiva.
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"Há pessoas sujeitas a programas que consideramos de tortura, com pressão dos profissionais, para que deixem de ser quem são, o que é impossível e um atentado à sua dignidade", alerta Ana Aresta, presidente da ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo.
Aos serviços de acompanhamento da associação, chegam "más experiências com profissionais de saúde, nomeadamente da saúde mental, que sugerem práticas de reconversão extremamente violentas e desgastantes" e acabam por deixar essas pessoas "num contexto de ainda maior fragilidade". É, sobretudo, violência psicológica, mas também há jovens sujeitos a "práticas arcaicas", como "verem determinados conteúdos durante imensas horas".
Prisão até três anos
A líder da ILGA sublinha, ainda, que os "discursos de ódio extremados" empurram as pessoas para o "domínio do medo, do silêncio e da vergonha".
É "raro fazerem denúncia, porque os profissionais exercem muito poder sobre elas", mas, "mesmo que façam denúncia, depois não têm resposta". Ana Aresta lembra que a Ordem dos Psicólogos já condenou a reconversão e a maioria dos profissionais é respeitadora dos direitos, mas a verdade é que estas práticas acontecem e têm de ser punidas", insiste, lamentando o "vazio legal".
É para mudar isso que o PS, BE, PAN e Livre discutem, hoje, os projetos de lei que visam criminalizar as práticas contra a autodeterminação e a liberdade sexual e de género, como a reconversão. Propõem, por exemplo, a alteração dos artigos 69.ºB e 176.º do Código Penal, para que os infratores sejam punidos. Os diplomas prevêm a proibição do exercício da profissão (até 20 anos) ou a condenação a pena de prisão (até 3 anos), consoante as situações.
Outros projetos de lei apontam mudanças nas escolas. Segundo Ana Aresta, alguns estabelecimentos de ensino já fizeram "trabalho nesta área", na sequência da lei da autodeterminação da identidade e expressão de género de 2018. Porém, em 2021, após um pedido de fiscalização sucessiva feito por vários deputados do PSD, do PS e do CDS, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional essa legislação por violação da competência exclusiva da Assembleia da República para legislar sobre a matéria.
Os projetos do PS, BE e PAN apontam, para além da necessária formação da comunidade escolar e da alteração de documentos administrativos, as regras de uso dos sanitários. O PS, por exemplo, escreve que deve ser permitido o acesso "às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade".
Ana Aresta considera que os diplomas dão resposta ao TC e são "fundamentais para se regulamentar o que as escolas podem fazer para proteger as crianças e os jovens trans".
Chega propõe sanitários não caracterizados
O Chega apresenta um projeto para "reforçar a proteção e privacidade das crianças e jovens nos espaços de intimidade em contexto escolar", defendendo que "os espaços escolares devem assegurar o acesso a instalações sanitárias e balneários divididos pelo critério de sexo masculino e feminino, sem prejuízo de, também, poderem disponibilizar espaços não caracterizados a que se pode aceder sem qualquer critério de género". A intenção é acautelar "o respeito pelo direito à privacidade e o respeito pela intimidade" de toda a comunidade educativa.