Projetos de lei em estados dos EUA com foco na área educacional. Em Portugal, avanço do Chega ainda sem impacto na legislação.
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Nos Estados Unidos, 474 projetos de lei contrários aos direitos LGBT foram apresentados este ano em diversos estados. No Uganda, o Parlamento aprovou uma nova legislação que prevê penas até 20 anos para quem "promover a homossexualidade". Na Hungria, a Assembleia Nacional aprovou uma proposta que permitiria a denúncia anónima de famílias homossexuais, vetada pela presidente. O que explica este aumento da repressão em diversas partes do Mundo e qual o impacto em Portugal?
HUNGRIA E POLÓNIA
Populismo ataca democracias
"Essa tendência está diretamente associada à ascensão da Direita radical populista", diz António Costa Pinto, professor de Ciências Políticas da Universidade de Lisboa. Na Europa, o politólogo refere o enfraquecimento e o desaparecimento dos regimes democráticos na Polónia e na Hungria, respetivamente. Na Polónia, a organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch fala em 56 leis anti-LGBT em todo o país, atualmente governado pelo partido conservador Lei e Justiça, que ganhou as parlamentares, em 2019, com uma plataforma homofóbica. Na Hungria, o Parlamento aprovou uma nova legislação que previa que famílias LGBT que violassem o "papel reconhecido constitucionalmente do casamento e da família" poderiam ser denunciadas de forma anónima. A medida só não foi posta em prática devido a um veto da presidente Katalin Novák, que, citada pelo jornal "Politico", argumentou que a nova lei "enfraquece a proteção de valores fundamentais".
"Nos últimos anos, temos assistido a um recrudescimento e ampliação de discursos contrários a esses direitos por parte de governos e líderes políticos, inclusive na Europa Ocidental, que se propagam rapidamente nas redes sociais, o que nos deve deixar especialmente vigilantes", diz Ana Maria Brandão, professora auxiliar do Departamento de Sociologia da Universidade do Minho. A socióloga salienta que os direitos dos grupos LGBT, "como quaisquer outros direitos humanos, não são nunca um dado adquirido e atravessam períodos de avanços e recuos que não se manifestam do mesmo modo e no mesmo sentido em toda a parte". Em relação à Hungria e à Polónia, Brandão destaca a atuação dos tribunais na punição de crimes de ódio contra pessoas LGBT, "em clara oposição às atitudes e valores dos governos respetivos".
EUA E RÙSSIA
Regredir para unificar grupos
Nos EUA, 474 projetos de lei já foram apresentados, este ano, em diversas legislaturas estaduais, segundo a ONG União Americana pelas Liberdades Civis, com grande parte das propostas a englobar a educação (222). Estes ataques são justificados pelo "importante papel formativo" das escolas, "meios socialmente mais diversos, que contrastam com a maior homogeneidade do meio familiar e vicinal de origem", que colocam "face a face com o que é diferente" e "estimulam o questionamento e o pensamento crítico", de acordo com a investigadora. "Para certas categorias ou grupos sociais, isso pode ser encarado como um problema, uma "ameaça" à ordem que gostariam de ver estabelecida. Nos EUA, isto parece-me absolutamente claro", afirma Ana Maria Brandão.
A segunda área mais abordada nos projetos estaduais norte-americanos é a saúde, pois estes visam combater principalmente os tratamentos médicos relacionados com a transição de género em menores de idade. Apesar de os conservadores justificarem tal oposição por causa de "princípios, fundamentos e valores religiosos", a socióloga aponta que a identidade de género, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a interrupção voluntária da gravidez são usados "como estratégia de unificação e distinção do grupo face aos demais no sentido da obtenção de vantagens políticas a prazo". Brandão relembra também o caso da Rússia, em que o Governo de Putin promulgou, em dezembro, uma lei que reprime a "propaganda LGBT" para adultos. A nova proposta expandiu a legislação de 2013, que bania a "propaganda de relações sexuais não tradicionais" para os menores.
PORTUGAL
Sem retrocessos a curto prazo
"No caso português, não houve nenhum aumento da repressão no âmbito dos direitos fundamentais às comunidades LGBT. Antes pelo contrário, nos últimos 20 anos, a legislação portuguesa tem melhorado em termos de direitos sociais", assinala António Costa Pinto, que salienta que, "até agora, existiu algum consenso entre a Esquerda e o centro-direita". Para o politólogo, o aparecimento do Chega não tem impacto na legislação a curto prazo, pois o partido de extrema-direita "representa menos de 10% do Parlamento português". Em abril, todos os partidos, exceto o Chega, mostraram-se favoráveis a novas leis relacionadas com a orientação sexual, identidade de género e características sexuais. "Portugal é uma democracia que, sob o ponto de vista dos direitos fundamentais, incluindo das comunidades LGBT, não tem sofrido qualquer retrocesso", completa o investigador.
Em destaque
Uganda aprova maiores restrições
O Parlamento do Uganda aprovou, no início do mês, uma nova legislação que prevê penas de morte para certos tipos de atos entre pessoas do mesmo sexo, e 20 anos de detenção para quem "promover a homossexualidade". Legado colonial, a ilegalidade destas relações já era punida com prisão perpétua no país.
Erdogan recorre a discurso de ódio
O presidente islamista da Turquia e candidato à reeleição, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que "nunca será pró-LGBT porque a família é sagrada". O discurso ocorreu durante um comício eleitoral no domingo, quando o atual chefe de Estado turco atacava a Oposição, liderada por Kemal Kılıçdaroglu. "Vamos enterrar os pró-LGBT nas urnas", defendeu Erdogan.