Depois de muito tempo nos cuidados intensivos até há quem deixe de saber comer
Unidade de cuidados continuados das Caldas da Rainha acompanha pacientes transferidos de hospitais públicos, com sequelas agravadas pelo vírus, alguns para muito longe de casa.
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Nos últimos três meses, Isabel Cravo, 58 anos, tem passado a maior parte do tempo internada. Sentiu-se mal, em outubro, e foi ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde lhe foi diagnosticada diabetes e problemas num rim, que foi extraído. Depois, teve uma pneumonia, contraiu covid-19 e esteve ventilada. Em janeiro, foi transferida para o Montepio Rainha D. Leonor, nas Caldas da Rainha, a mais de 100 quilómetros de casa, para recuperar das sequelas. A síndrome de pós-internamento em cuidados intensivos (SPICI) pode causar problemas físicos, psicológicos ou cognitivos.
"Depois de tanto tempo deitada, deixei de conseguir andar e de comer sozinha", conta. "Perdi muitos quilos e massa muscular", relata, prostrada na cama do quarto onde faz os tratamentos de fisioterapia. "Quando veio para aqui, nem se conseguia sentar, porque perdia o equilíbrio", confirma a terapeuta Carina Simões. "Queria recuperar, mas não queria fazer fisioterapia. Só despertou quando viu que tinha uma mobilidade diferente".
Nunca pensei passar pelo que passei em tão pouco tempo, porque sempre fui saudável
Do período em que esteve infetada com covid- 19, a doméstica e cuidadora informal recorda a dificuldade em respirar. "Sentia falta de ar. Estive 20 ou 22 dias a oxigénio. Parece que perdi a noção", afirma. De tal forma que apagou da memória uma pneumonia grave. "Não tive muito medo. Fiquei mais assustada quando vi tantas pessoas tão mal. Algumas gritavam: "Ó menina, acuda-me!", recorda.
"Nunca pensei passar pelo que passei em tão pouco tempo, porque sempre fui saudável", desabafa Isabel. Após cerca de um mês de convalescença, as melhoras são evidentes, mas ainda não chegou o momento de ter alta. As saudades da família crescem de dia para dia, cujo contacto se resume a chamadas telefónicas.
Orlando Santos, 72 anos, regressou a casa, em Lisboa, na semana passada. Em novembro, deu entrada no Hospital Amadora-Sintra, com retenção de líquidos, devido a problemas cardíacos. O primeiro teste ao "covírus", como lhe chama, deu negativo, mas o segundo foi positivo. Sem sintomas, foi transferido para o Hospital Militar de Lisboa, mas depois voltou ao Amadora-Sintra, onde continuou internado. Só a 18 de janeiro conseguiu uma vaga nos cuidados continuados, nas Caldas da Rainha, onde chegou sem locomoção e com as pernas e a barriga muito inchadas.
Falta de informação
"A insuficiência cardíaca, causada pelo bloqueio da aorta, faz com que haja dificuldade em oxigenar o cérebro e os líquidos do sangue começam a acumular-se nas extremidades. Tudo em conjunto fazia com que não tivesse capacidade de mobilizar os músculos", explica o fisioterapeuta João Oliveira. "Em boa hora me mandaram para ali", diz Orlando, satisfeito. "Fui muito bem tratado e sentia-me a recuperar de dia para dia", conta o reformado, que voltou a ter autonomia, embora agora necessite de apoio domiciliário.
Diretora técnica do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Montepio Rainha D. Leonor, Anabela Pinto diz que, desde janeiro, receberam cerca de dez doentes pós-covid para recuperar de sequelas, com o apoio de uma equipa multidisciplinar. Lamenta, contudo, que os hospitais nem sempre lhes façam um diagnóstico, o que ajudaria no tratamento.
