Medida já vigora mas estarão em causa princípios da Constituição e regras de proteção de dados dos consumidores.
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O serviço de streaming de filmes e séries Netflix proibiu desde ontem a partilha gratuita de contas entre utilizadores que não residam na mesma casa. Mas três deputados do Partido Socialista questionam a legalidade do corte, invocando regras da proteção de dados. Também levantam dúvidas sobre a sua constitucionalidade.
Numa pergunta enviada ontem ao Governo de maioria socialista, os deputados Paulo Araújo Correia, Hugo Carvalho e Hugo Oliveira querem saber se o ministro das Infraestruturas, João Galamba, já fez alguma diligência junto da entidade reguladora do setor, ANACOM, para "perceber que procedimentos estão a ser adotados pela mesma, para garantir o integral cumprimento por parte da Netflix da legislação em vigor". Os deputados também pretendem ser esclarecidos sobre as medidas que estão a ser tomadas para "garantir o integral cumprimento por parte da Netflix do direito fundamental à reserva sobre a intimidade da vida privada dos consumidores".
De acordo com a argumentação dos socialistas, o impedimento de partilhas por parte da Netflix coloca dúvidas quanto ao cumprimento das regras do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), mas também levanta questões de eventual inconstitucionalidade. É que para controlar a partilha de contas, a Netflix anunciou que iria usar o endereço de IP, identificador de dispositivo, e ainda analisar a atividade de conta para detetar em que local é que os utilizadores acedem à plataforma de streaming.
"O referido procedimento implicará, necessariamente, a utilização de equipamentos eletrónicos de vigilância e controlo e subsequente tratamento dos dados recolhidos. Tal implica limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada do consumidor, nomeadamente restrição à liberdade de movimento, integrando aqueles dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos consumidores", explicam os deputados que reconhecem a legitimidade de qualquer empresa proteger o seu produto, mas sem atropelar direitos fundamentais.
A pergunta foi dirigida ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que irá encaminhá-la a João Galamba.
"Existe uma grande exigência no respeito de direitos fundamentais. Até em matéria de investigação criminal existem restrições na capacidade de localização de pessoas por dispositivos eletrónicos e, por isso, questionamos se uma empresa como a Netflix pode ter a capacidade de saber onde estão os clientes em tempo real", explicou ao JN, o deputado Paulo Araújo Correia.