Documento com verbas a transferir para as câmaras tinha de ser publicado até 30 de janeiro de 2020. Comissão técnica responsável por criar a fórmula de financiamento só reuniu duas vezes até hoje.
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O Governo está a transferir 20 mil euros por escola às câmaras municipais no âmbito do processo de descentralização de competências na área da Educação, mas comprometeu-se a atualizar a verba numa portaria cujo prazo de publicação já expirou há mais de dois anos. A comissão que ficou de criar a fórmula de financiamento da portaria também só reuniu duas vezes nos últimos três anos. Segundo a lei, há competências que não são transferidas até haver portaria.
As câmaras municipais já estão a gerir as escolas desde o dia 1 de abril, mas a portaria que define o montante a transferir pelo Estado ainda não foi publicada e já leva mais de dois anos de atraso. De acordo com o decreto-lei 21/2019 de 30 de janeiro de 2019, a verba a transferir "é fixada por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, das autarquias locais e da educação", e devia ter saído "no prazo de um ano" a contar do decreto-lei. Ou seja, a 30 de janeiro de 2020.
Esta portaria terá de ter a fórmula de financiamento das despesas com pessoal não docente, compra de equipamentos e conservação dos edifícios escolares. Como ainda não saiu, atualmente está em vigor um regime transitório que classifica todas as escolas como iguais, atribuindo às câmaras 20 mil euros anuais por estabelecimento. E é esta verba que tem recebido críticas de alguns autarcas por ser insuficiente, como é o caso do Porto, que vota hoje o abandono da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Segundo Rui Moreira, seriam precisos quase 70 mil euros por escola.
Na base do atraso da portaria está a falta de conclusões da comissão técnica de desenvolvimento, o organismo cuja criação está prevista no artigo 65.º do mesmo decreto-lei. Isto porque a lei diz que as fórmulas das transferências que vierem a constar da portaria "resultam do trabalho a desenvolver pela comissão técnica". Porém, este organismo só reuniu duas vezes nos últimos três anos e ainda não produziu conclusões que permitam publicar a portaria, o que congela o processo.
"O foco do doutor Rui Moreira tem estado na ANMP mas devia estar no Governo, porque o Governo é que não faz a parte dele", sublinha Hélder Sousa Silva, presidente da Câmara Municipal de Mafra e dos Autarcas Social-Democratas, para quem o problema "tem a ver com o facto de nunca ter existido uma comissão nacional que avaliasse a adequação do valor que foi inicialmente previsto para manutenções".
Na semana passada, em resposta ao JN, o gabinete de António Costa disse que o primeiro-ministro tem "total abertura" para, com a ANMP, "prosseguir e aprofundar o diálogo com as autarquias" sobre o processo de descentralização.
descentralização congelada
Até que a comissão técnica termine o trabalho e a portaria seja publicada, o processo de descentralização não se concretiza na totalidade. A aquisição de equipamento para atividades educativas como o mobiliário, por exemplo, continua a estar sob alçada do "departamento governamental com competências na área da Educação", lê-se no decreto-lei.
Rui Santos, presidente da Câmara de Vila Real e vice-presidente da ANMP, reconhece que os 20 mil euros do regime transitório podem ser ou não suficientes, dependendo de cada caso: "Eu já assumi competências há bastante tempo e não tenho nenhum problema, até ver. O Estado cumpriu rácios de funcionários e fez a transferência desse valor".
Recorde-se que o processo foi gerido pela anterior direção da ANMP, presidida por Manuel Machado, que não respondeu aos contactos do JN. O Ministério da Coesão, que assumiu a condução do processo há três semanas, também não respondeu.
O QUE DIZ O DECRETO REGULAMENTAR
O que terá a portaria
A portaria terá de ter "uma fórmula de financiamento das despesas de equipamento, conservação e manutenção dos edifícios escolares" e funcionários não docentes.
Comissão técnica
A comissão técnica de desenvolvimento é composta por três representantes do Governo, das áreas da educação, finanças e autarquias, mais dois da ANMP. O responsável da educação é que preside.
Compra de material
As competências de aquisição de equipamento básico, mobiliário, material didático e equipamentos desportivos, laboratoriais, musicais e tecnológicos são exercidas pelo Governo "até à entrada em vigor da portaria".
Prazo de publicação
A portaria tinha de ser publicada "no prazo de um ano após a entrada em vigor do presente decreto-lei". Este documento, o decreto 21/2019, tem data de 30 de janeiro de 2020.
Escolas degradadas
As competências de requalificação de escolas que precisem de obras de "grande dimensão" continuam "a ser exercidas pelo Ministério".
Residências escolares
Até que a portaria seja publicada, o Governo gere a "conservação, manutenção e equipamento das residências escolares".