Com o incêndio na serra da Estrela - incluindo no coração do Parque Natural - a entrar sem freio no sexto dia, há críticas às operações, mas também compreensão face às condições propícias à imparável progressão das chamas devido às mudanças climáticas. Ontem, cinco bombeiros ficaram feridos após um capotamento em Celorico da Beira e ficou a saber-se que aviões de combate a incêndios ficaram em terra durante 17 dias, justificando as críticas ao combate aos fogos.
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O investigador Duarte Caldeira compara a situação à de 2003. Em 10 de agosto desse ano, o dispositivo teve de acorrer a 335 novos fogos, quando a média diária superava as três centenas. Anteontem, houve 70 fogos e a média não tem passado dos 100. O que mudou? "O que é nova é a estrutura climática, com consequências no perfil meteorológico e efeitos na vegetação, que, devido à seca prolongada está em stress hídrico". O que agrava as condições na serra da Estrela: orografia difícil, acessos impossíveis, temperaturas elevadas, ventos fortes com grandes rotações, nota ao JN.
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"Quando isto passar, é necessário uma avaliação objetiva, incluindo as condições meteorológicas, a estratégia, as táticas, os meios" e ver o que falhou. São necessários mais pontos de água; assegurar a rotação e descanso de combatentes e de meios. E é necessário um padrão de organização logística num teatro de operações com mais de mil combatentes.
"Perdeu-se a janela de oportunidade de o controlar na noite de sábado para domingo", comenta o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes. E "talvez na fase inicial não se tenha avaliado adequadamente a magnitude de todo este processo". Agora, "andamos atrás do prejuízo", acrescenta, com críticas à falta de "intervenção musculada nalgumas zonas". Os corpos de bombeiros da Guarda e de Folgosinho, por exemplo, deveriam ser reforçados com meios externos durante o verão, defende.
Há 1500 combatentes no teatro de operações, mas "a logística é uma desgraça: passei por postos às três da tarde e tinha acabado ser distribuído aos bombeiros o pequeno-almoço". Deveriam ter sido acionados os planos municipais de emergência? "Claro que sim, para refeições e fornecimento de combustível, por exemplo".
"burocracia de papel"
"Para a burocracia de papel?!", reage o presidente da Câmara da Guarda e presidente da Comissão Distrital de Proteção Civil, Sérgio Costa. "Todas as entidades já estão no terreno, com refeições, combustível, máquinas, com todas as câmaras empenhadas - estamos muito à frente do plano de emergência", garante ao JN.
"Se as autarquias têm os meios todos no terreno, não é necessário ativar os planos", nota o general Paiva Monteiro, antigo diretor nacional de Proteção Civil. E a logística para 1500 combatentes não é problema: "tem é de haver um estudo muito detalhado das condições". Tendo em conta "os dias que o incêndio leva, poderia ter havido descoordenação" e "muita alternância" de comando. "Deve haver alguma consistência na condução das operações - e eu já contei quatro ou cinco comandantes", critica.
O JN não conseguiu ouvir em tempo útil o segundo-comandante nacional da Proteção Civil, Miguel Cruz.
Aviões em terra
As duas aeronaves Canadair contratadas para o combate a incêndios estiveram inoperacionais 17 dias desde 1 de julho. Uma delas esteve inoperativa 14 dias na sequência de um problema no motor. A outra aeronave esteve três dias inoperativa para manutenção programada.
Capotamento
Três bombeiros ficaram feridos com gravidade e outros dois sofreram ferimentos ligeiros, num acidente que aconteceu ontem durante o combate ao incêndio em Celorico da Beira. O acidente terá acontecido durante o combate ao fogo que começou a lavrar, no sábado, na Covilhã.
Governo autoriza compra de 81 viaturas
Oitenta e um corpos de bombeiros devem receber, até 2024, mais 81 veículos de combate a incêndios rurais, no valor de 12,6 milhões, cuja aquisição faseada foi aprovada ontem em Conselho de Ministros. Financiado no âmbito do Programa Mais Floresta, previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o reforço, anunciado em março, abrange 59 veículos florestais de combate a incêndios e 22 veículos tanque táticos florestais. Trata-se da maior distribuição desde 1980 e permitirá reforçar a capacidade de resposta operacional nos territórios de maior défice de meios face à área florestal, justifica o Ministério da Administração Interna. A Liga dos Bombeiros Portugueses reclama pelo menos 140. O procedimento governamental foi precedido de uma preparação técnica, nomeadamente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que também avaliou a "real capacidade" dos corpos de bombeiros para "operacionalizar" os novos meios. O ministro da Administração interna, José Luís Carneiro, afirma que "haverá, futuramente, outros investimentos em equipamentos para os corpos de bombeiros".