Algarve e Porto Santo são experiências que devem ser analisadas e exportadas para outras zonas do Sul do país. Estimular a poupança em casa e avançar para o tratamento das residuais para a agricultura são outras soluções propostas.
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O tratamento de água do mar em água potável é o caminho inevitável para Portugal ter água em tempos de escassez, que se avizinham mais severos e frequentes devido às alterações climáticas. No Algarve, já avançam experiências de dessalinização e, no Porto Santo, a solução tem mais de 40 anos.
"Eu não vejo outra solução para Portugal, que não seguir o caminho da dessalinização. E não há muita margem [temporal]", sublinha Filipe Duarte Santos, geofísico e docente da Universidade de Lisboa. A tecnologia já está muito desenvolvida e é usada noutras partes do Mundo, o que tem permitido que o custo, que "nos anos de 1960 era de nove euros por metro cúbico (m3)", oscile agora "entre um euro e 0,50 euros", dependendo do local, sendo por isso mais exequível, realça o especialista.
reduzir desperdícios
A dessalinização "será certamente uma solução a prazo para a escassez de água", considera, por sua vez, Joaquim Poças Martins, docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Para além do período de seca que se vive este ano, "houve secas em 2017, 2005 e em 1995, que foi muito séria. Com as alterações climáticas é previsível que haja mais, mais graves e mais frequentes", alerta Poças Martins, para sublinhar que a criação de alternativas de abastecimento não pode demorar nem ser desacompanhada de outras medidas, como a redução de desperdícios em casa, das perdas nos sistemas de abastecimento e gestão dos municípios e nos cultivos agrícolas.
"Em Portugal, o que faz sentido, neste momento, é aprender com a dessalinizadora que vai ser feita no Algarve e a partir daí tirar ilações. É prematuro pensar em mais por enquanto", diz Poças Martins. Mas, a pedido do JN, olha para o continente e considera que esta solução será mais "interessante a sul do Tejo", já que a norte "temos água para os próximos anos".
"Em Lisboa, não seria uma loucura completa, porque depende muito da água de Castelo de Bode e do Tejo, e seria possível encarar uma solução como a da Austrália", que tem dessalinizadoras que não suprem o consumo total, mas compensam défices em tempos de falta.
Os dois especialistas alertam para a importância de reutilizar a água residual depois de tratada, nomeadamente para a rega. E alertam para a importância de a salmoura (o sal retirado da água dessalinizada) não ser largado muito perto da costa, para facilitar a sua dispersão sem grande impacto.
Porto Santo pioneiro
A ilha do Porto Santo, na Madeira, foi pioneira em Portugal. O sistema começou a ser implementado em 1980 e tem evoluído. Desde 2000, a ilha é autossuficiente e o sistema garante toda a água potável aos 5 mil residentes fixos e aos 15 mil turistas que ali vão no verão.
A solução surgiu por "não haver outra alternativa", explica Nuno Pereira, diretor de produção na Águas e Resíduos da Madeira. Atualmente, a "central está dimensionada para produzir 6500 m3 de água por dia, ou seja, dá para cerca de 25 a 30 mil pessoas", considerando os gastos médios por pessoa e as perdas de rede, especifica. O custo de produção em 2021 ficou a 0,64 euros/m3, a que acresce o da distribuição, sendo depois subsidiado para o consumidor final. A água residual é "aproveitada para rega de culturas agrícolas e dos campos de golfe".