Todos os dias, o secretário de Estado do Planeamento, José Mendes, escreve sobre a viagem de bicicleta de Bragança a Sagres. Etapa Peso da Régua-Viseu.
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Confesso gostar de imprevistos. Talvez por isso não faça planos muito precisos quando ando de férias. É capaz de ser um mecanismo de compensação, já que o meu mister é justamente planear!
Ontem, tive a companhia de dois amigos no troço entre a Régua e Lamego. À saída, propuseram-me um caminho alternativo à N2. Que subia mais, porque escalava por uma estrada secundária. "Vamos lá", acedi, sabedor do lado ardiloso do presente. Não demorou muito para concluir que aquelas encostas eram mais mapeadas por alçados do que por plantas. Eis que o som da respiração ofegante dos três se viu subalternizado pela mais espetacular vista sobre a Régua de que me recordo. Aquele relevo desenhado a linhas paralelas, as uvas que já pintam, o casario que conversa com a encosta, mostravam que o desvio não planeado neste nosso Portugal compensa sempre.
Em Lamego, despedi-me dos amigos e da Senhora dos Remédios, na esperança de não voltar a acrescentar mais dificuldade na jornada ciclística. Esperança vã.
Pouco depois de Castro Daire, quase embato numa placa amarela a anunciar "desvio". A N2 estava cortada por obras na Ponte Pedrinha. Otimista, lá apontei ao trajeto alternativo. Era a subir, pois claro. Nova placa, virar à esquerda. Estrada florestal. Subidas que deviam estar lá para trepar às árvores. Desmonto para pensar e hidratar. Água? O meu bidão quase vazio! Se há regra de ouro no ciclismo, é nunca ficar seco. É morrer.
Pânico não é a minha praia. Mas a sede e a temperatura a 43 graus mexem connosco. O desvio ia-me tramar. Engato a mudança mais baixa e subo em modo de consumo mínimo. Descubro um magnífico miradouro. Menos mal, mas a boca continuava seca. Até que vejo uma fonte. Um homem por perto, a quem pergunto se posso beber. "Pode e deve!". Meto a cabeça debaixo da água. Quando abro os olhos, lá estava a inscrição "1939". A minha salvação fora planeada há 81 anos.
Sentado numa esplanada de Viseu a escrever esta crónica, sob uns quase confortáveis 36 graus, tomo a decisão de continuar a gostar de desvios.