Da integração da comunidade cigana na sociedade, à ajuda na recuperação de dependentes de álcool e drogas nas ruas de Leiria, a Inpulsar - Associação para o Desenvolvimento Comunitário - assinala 10 anos de existência com uma taxa de sucesso de 100% em alguns projetos. Um bom exemplo vem de um ex-consumidor de heroína recuperado, que hoje integra a equipa no acompanhamento de rua.
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Criado para desenvolver competências pessoais e sociais na comunidade cigana do Bairro Social Cova das Faias, em Leiria, o Giro Ó Bairro tem como meta promover a inclusão social destas crianças, jovens e famílias. "Ainda não conseguimos mudar as mentalidades em relação à comunidade cigana", admite Miguel Xavier, presidente da Inpulsar, garantindo, no entanto, que não vão cruzar os braços. "Há muito trabalho a fazer e muito caminho para andar."
Miguel Xavier recorda que a integração numa escola de música de crianças e de jovens ciganos foi um "processo difícil", mas diz que é importante a sociedade perceber que são pessoas iguais às outras.
"Queremos mostrar à população maioritária que as pessoas da comunidade cigana são normais", sublinha. "Os adultos trabalham e fazem descontos, e as crianças também vão à escola e têm aulas de música", completa.
"Para quebrar estereótipos, um dos momentos da sessão de comemoração dos dez anos da Inpulsar, assinalados esta terça-feira, consistiu na leitura de um poema escrito por uma menina cigana, de 10 anos, em que disse "ser humana" e precisar que a respeitassem.
Havia uma série de entraves, mas, passado pouco tempo, conseguimos atribuir casa a 15 pessoas e devolver-lhes a dignidade
A construção do Bairro da Cova das Faias na periferia de Leiria, "onde não passa ninguém", é a prova mais evidente, para o presidente da Inpulsar, de que a comunidade cigana não foi integrada na sociedade. "Criaram-se guetos, ao contrário do Morada Certa."
Este é o segundo projeto que mais sensibiliza Miguel Xavier. "Havia uma série de entraves para o colocar em prática, mas, passado pouco tempo, conseguimos atribuir casa a 15 pessoas e devolver-lhes a dignidade", conta.
"Estamos a falar de pessoas com doenças mentais, que consomem álcool e drogas e que têm histórias de vida complicadíssimas", refere. Todas elas são acompanhadas por técnicos, que as levam a consultas e garantem que nada lhes falta, para promover a sua inserção na sociedade.
"Desde que moram numa casa, estão mais felizes, mais estáveis e mais integradas, o que é muito gratificante", assegura o presidente da Inpulsar. O facto de o projeto ter uma taxa de sucesso de 100% também o deixa orgulhoso, pois ninguém regressou à rua. "Faleceu uma pessoa que estava doente e a outra saiu porque se apaixonou."
Uso a linguagem deles, sei os problemas que têm, sei o que é passar por dificuldades, e o quanto custa sair da rua
Orgulhoso do trabalho que desempenha como mediador de pares da Inpulsar, Jorge Cardinali, 57 anos, era consumidor de heroína até iniciar um processo de desintoxicação em 2010, porque queria voltar a ser artista de circo. Quatro anos depois, tornou-se voluntário da associação e em 2018 entrou nos quadros.
"Tento transmitir às pessoas que conseguem deixar o vício, seja ele qual for", conta ao JN. "Digo-lhe que se eu consegui, eles também conseguem. Basta quererem." E a prova disso é que até o tabaco deixou.
Mediador de pares do projeto Giros na Rua, Jorge deita-se todos os dias com o sentido de dever cumprido. "Se me dissessem, em 2010, que ia ser a pessoa que sou, não acreditava. É bom sentir que sou um exemplo de vida. Sou muito elogiado pela pessoa em que me tornei."
Uma avalancha de cidadania
Cardinali confessa que os dependentes do álcool e de substâncias psicoativas o ouvem mais a ele dos que aos técnicos licenciados. "Uso a linguagem deles, sei os problemas que têm, sei o que é passar por dificuldades, e o quanto custa sair da rua e deixar vícios destes."
"O meu gabinete é na rua", observa Cardinali. É lá que ele e os técnicos da Inpulsar encontram os consumidores, a quem levam medicação e acompanham a consultas, para diminuir os comportamentos de risco. Sempre com o objetivo de saírem desse mundo e de lhes restituírem uma vida condigna.
Ao olhar para trás, Miguel Xavier sente que a intervenção da Inpulsar contribuiu para que a cidade de Leiria esteja melhor. "Interviemos junto de seis mil pessoas", garante. Quanto às crianças que acompanham em diferentes projetos, diz que têm levado uma "avalancha" de cidadania. "Vão ser seguramente proativas, responsáveis e respeitar o espaço do outro e o seu espaço", acredita.