Comunidade cigana. Só acreditam que vão sair do bairro de lata quando virem as casas novas
Câmara de Paredes prestes a iniciar obra de construção de empreendimento para comunidade cigana que vive há mais de 20 anos sem condições, no centro da cidade.
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Em dias de chuva é por uma estrada enlameada que se faz o acesso ao acampamento. As barracas, muitas delas feitas de madeiras, chapas e cobertas de plásticos, deixam entrar a água e o frio. É assim há mais de duas décadas. E mesmo agora, que está prestes a arrancar a construção do empreendimento para realojar a comunidade cigana em Paredes, os moradores desconfiam: após anos de promessas por cumprir, só acreditam quando virem as novas casas. A obra para realojar quase 100 pessoas, muitas delas crianças, deve estar pronta em 2024. As 22 casas, de várias tipologias, estão orçadas em 2,5 milhões de euros (mais IVA).
O investimento atrasou, reconhece o presidente da Câmara, Alexandre Almeida. Agora, será apoiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência. "Vai resolver um grave problema de falta de condições de salubridade e um problema paisagístico", uma "mancha" numa parte nobre da cidade, realça.
"Cheios de bicharada"
Manuel Sertório tem 57 anos e há mais de 30 que chegou a Paredes. Foi um dos primeiros a instalar-se ali, atrás do edifício da Câmara, bem no centro da cidade. Depois "foi-se juntando mais gente".
"Vivemos aqui cheios de bicharada, as condições estão à vista. Sempre que chove tem de se meter plásticos e toldos e, ao cabo de algum tempo, entra água na mesma", descreve. Sobre as promessas de habitação, e foram muitas de vários executivos, é claro: "Estamos à espera, mas só acredito quando vir". "Podiam compor ao menos o caminho. Quando chove, os carros nem conseguem passar e os meninos vão para a escola com os sapatos cheios de lama", desabafa Glória Anjos.
A barraca de Irene Anjos, de 37 anos, começou por ser de chapas, madeira e papelão. Com ajudas, construíram com blocos há dois anos. "Agora está melhorzinho, mas há sempre muita humidade e frio". Tem dois filhos e também ela está cansada das promessas. "Foram tudo ilusões que foram por água abaixo. Vamos a ver agora", assume, esperando que uma nova casa dê acesso a um emprego que nunca conseguiu. "Dizer que se mora num acampamento ou num bairro social faz a diferença", acredita, garantindo que continua a haver muita discriminação.
Aos 47 anos, Alberto Vilela concorda: "Não conseguimos emprego. Quando dizemos de onde somos nunca mais ligam. Vivemos quase todos do rendimento de inserção e dos trabalhos de artesanato. O dinheiro que recebemos não dá para passar o mês". "Estamos ansiosos pela casa nova. Vai mudar muita coisa. Se calhar, vamos conseguir integrar-nos na sociedade de outra forma", sustenta.
Quando Teresa Valente andou na escola, ela e o irmão eram maltratados. "Chamavam-nos ciganos, batiam-nos e alguns não queriam sentar-se ao nosso lado", recorda, aos 27 anos. Com os quatro filhos já não é assim. "Os amigos tratam-me como igual", garante Josiana, de 11 anos, a filha mais velha, ansiosa por ter nova casa, com um quarto só para ela. Com os pais continua a haver discriminação diária. Teresa nunca conseguiu trabalhar e só sonha em dar outras condições aos filhos. "Queria que não tivessem a vida que nós tivemos e que tivessem outras oportunidades", diz. Morar num bairro vai ajudar, acredita.
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Integração social
A comunidade cigana tem sido trabalhada pela Autarquia há vários anos, com projetos sociais e culturais, e todas as crianças estão integradas na escola. "É uma população integrada e fez-se o mais lógico: tratar o problema como falta de habitação social", frisa o presidente da Câmara de Paredes, Alexandre Almeida.
Futuro dos terrenos
Nos terrenos do acampamento, no centro da cidade, vão nascer mais dois prédios para habitação a custos controlados. Também ali serão fixados serviços municipais, como a Polícia Municipal e a Ação Social.