A portuguesa Filipa de Sousa Rocha desenvolveu um sistema com blocos físicos e um programa de computador para garantir a crianças com deficiência visual uma educação digital inclusiva. O projeto valeu-lhe o 2º lugar do Prémio Jovens Inventores, anunciado esta terça-feira em Valência, Espanha.
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A engenheira informática e professora assistente no Instituto Superior Técnico de Lisboa (IST) Filipa de Sousa Rocha destacou-se internacionalmente por ter inventado um sistema de codificação baseado em blocos físicos que permitem a crianças com deficiências visuais aprender competências digitais de forma adaptada. Ao transformar aquilo que é visual acessível a estas crianças pelo toque, a jovem de 27 anos ficou em 2º lugar no Prémio de Jovens Inventores 2023 do Instituto Europeu de Patentes (EPO, em inglês), no valor de 10 mil euros, para dar continuidade ao projeto.
A missão de contribuir para uma educação mais inclusiva surgiu durante a tese de mestrado da jovem, ainda em 2019. "Em Portugal, existem crianças com deficiências visuais que estão em escolas de referência, mas estão inseridas em turma de crianças normovisuais. Portanto, podem não ter o mesmo acesso à educação que os seus colegas", apontou, ao JN, a investigadora.
Para responder às necessidades educativas destas crianças, Filipa de Sousa Rocha criou então uma ferramenta que designou de Sistema de Programação Tangível Acessível Baseado em Blocos (conhecido como BATS).
O vencedor desta 2ª edição do galardão, no valor de 20 mil euros, é um jovem inventor do Quénia, Richard Turere, que desenvolveu um sistema de luz automático - alimentado principalmente a energia solar -, para impedir que leões ataquem o gado das populações locais em recintos fechados. No terceiro lugar ficou Fionn Ferreira, irlandês de 22 anos, que criou um método com ímans para retirar microplásticos da água, recebendo 5 mil euros.
Em casa, Filipa de Sousa Rocha sempre viveu num ambiente tecnológico, em parte porque o pai também é engenheiro informático, pelo que foi "bastante intuitivo" enveredar pelos caminhos da informática, conta. Por outro lado, sempre trabalhou com crianças, desde campos de férias para ocupar os tempos livres de menores carenciados, a aulas onde os ensinava a navegar com segurança na internet ou a criar jogos e aplicações.
Partindo do facto da programação ser ensinada nas escolas logo no 1º ciclo através de sistema de blocos digitais, a engenheira informática criou blocos idênticos, mas físicos. Quase como se fossem legos de brincar, os blocos criados são tangíveis, coloridos e decorados com ícones de espuma em três dimensões (3D) que permitem às crianças identificá-los pelo toque.
Cada bloco representa uma ação ou comportamento, como por exemplo falar ou dançar, que comanda um pequeno robô. Os códigos das peças são lidos por uma aplicação própria através da câmara de um "smartphone" ligado pelo Bluetooth ao robô. As crianças podem assim controlá-lo como se estivessem a jogar um jogo no computador e repetir as sequências que criaram as vezes que quiserem.
Bloco a bloco, Filipa de Sousa Rocha e a sua equipa trouxeram a parte visual da programação para o físico, sempre em colaboração como os professores e os pais e as crianças "para envolver todos" os que iriam usar o sistema.
"Foram os professores que nos disseram 'os nossos alunos não têm acesso a estas ferramentas mais viradas para a diversão e ligeiramente mais fáceis para a sua aprendizagem'. Nós mostrámos várias ferramentas, perguntámos o que é que funcionava, o que é que não funcionava, o que é que seria melhor para os alunos e eles deram-nos sempre imensa informação e ajudaram-nos sempre bastante. Depois de construirmos o primeiro protótipo com o robô e as peças perguntámos então às crianças se seria algo com que gostassem de brincar", explicou.
A pandemia veio mudar um pouco os planos quanto à testagem do prótotipo. Mas o confinamento e o pouco financiamento nunca levaram a jovem a cruzar os braços. Cinco famílias com crianças com deficiência visual entre os seis e os 12 anos que estavam a colaborar para o projeto receberam em casa um "kit" para experimentar o BATS.
Atualmente, enquanto estudante de doutoramento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Filipa de Sousa Rocha continua a dar vida ao projeto com vista a poder alargar o uso dos blocos às salas de aulas.
"Como é que realmente um sistema destes, tangível e com sons, poderia funcionar nas salas de aula? Envolver vários sistemas no mesmo espaço é capaz de ser confuso. Queremos perceber como é que podemos chegar a uma situação que funcione para todos", adiantou a engenheira. Esta fase já arrancou, principalmente com crianças com deficiência visual em escolas do agrupamento das Olaias, em Lisboa.
"Às vezes não temos noção de uma realidade que não vivemos, mas é importante continuar a olhar à nossa volta para descobrir de que maneira é que podemos fazer a diferença. Nós focámo-nos na educação tecnológica, mas de certeza que existem outras áreas em que as crianças e as famílias precisam de ser ouvidas e apoiadas para que funcionem de uma forma mais equilibrada. É preciso respeitar os direitos dos outros", resumiu.
Alguns dias antes da entrega dos prémios, a jovem engenheira informática portuguesa partilhou com o JN que receber a distinção significaria levar o projeto até escolas mais distantes ou que tenham poucos alunos com deficiência visual. "Acho que viria aqui dar um impulso a todas as partes do projeto. De certeza melhorar várias partes do protótipo, conseguiríamos chegar a mais pessoas e a mais escolas. Isto tem sido mesmo uma loucura e um privilégio, portanto, tenho a certeza que só iria trazer melhores condições".
A distinção promovida pelo EPO celebra os jovens inventores com menos de 30 anos que tenham criado soluções tecnológicas para dar resposta a problemas globais ao mesmo tempo que contribuem para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas.
Para Filipa, o prémio veio dar "uma ótima motivação e valor" ao trabalho destes últimos quatro anos. "Tem aberto imensas oportunidades para mostrarmos o nosso trabalho e a sua importância, bem como o facto de existirem outras áreas como a cultura ou outras áreas da educação em que ainda é preciso ter alguma atenção quanto à inclusão e à acessibilidade".
Na cerimónia em Valência foram ainda conhecidos os vencedores deste ano nas categorias de "Investigação", "PME", "Indústria" e "Países Não-EPO", bem como do prémio "Lifetime Achievement".