O fim da obrigatoriedade das restrições no Reino Unido lança os países europeus na preparação do regresso à normalidade. A estratégia não é consensual entre os cientistas, que pedem uma reabertura gradual e medidas mais simples.
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19 de julho de 2021: esta segunda-feira marca o retorno da "normalidade" ao Reino Unido em pandemia, já conhecido como "Dia da Liberdade". É difícil antecipar se o desconfinamento britânico, sem obrigatoriedade do uso de máscara (na rua ou nos espaços fechados), sem limites nos ajuntamentos e eventos, com o retorno à capacidade total em restaurantes e a reabertura de discotecas, será algo permanente ou passageiro.
Em Portugal, o ritmo de vacinação (36% já tem as duas doses) e o "cansaço generalizado de profissionais de saúde e população" torna urgente a preparação para uma "fase de transição", com menos restrições, defendem os especialistas ouvidos pelo JN. Contudo, o exemplo "arriscado" em terras de Sua Majestade não convence todos.
Um "experimentalismo"
"Estamos no limiar de termos condições para uma maior liberdade em certas atividades, mas ainda não estamos lá. Não está Portugal, nem o Reino Unido", defende Ricardo Mexia. Apesar dos quase 36 milhões de vacinados com as duas doses (68,3%), o médico de Saúde Pública considera que a "espécie de experimentalismo" britânico pode "não correr pelo melhor". Aconteceu com os Países Baixos, onde os novos contágios aumentaram 500% numa semana, especialmente entre os jovens, menos vacinados, após o relaxamento das medidas. O governo holandês pediu desculpa e, para conter os contágios, impôs o encerramento de restaurantes e clubes noturnos à meia-noite.
Graça Freitas considerou, em entrevista ao JN e à TSF a 11 de julho, que o Reino Unido estava prestes a entrar num "ensaio clínico brutal". A diretora geral de Saúde afirmou que as próprias autoridades britânicas "não têm a certeza do que vai acontecer", mas dali sairiam "ensinamentos e lições" para todos os outros países.
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551 doentes ventilados
O Governo de Boris Johnson, que pediu este domingo cautela a menos de 24 horas do levantamento das restrições, refugiou-se não só no número de imunizados, mas também na redução das hospitalizações e mortes e na menor sobrecarga do serviço nacional de saúde para desconfinar. Até este domingo, havia 551 doentes a necessitar de ventilação nos hospitais dos quatro países do Reino Unido.
Para Bernardo Gomes, o cenário pode mudar rapidamente e não é aconselhável "deixar a infeção prosseguir e sobretudo com números [novos casos diários] tão altos", diz o médico de Saúde Pública. Foram mais de 48 mil este domingo.
A polémica está instalada nos cientistas de todo o Mundo, com muitos a considerar que o desconfinamento no Reino Unido pode prejudicar o resto dos países, suscitar o aparecimento de novas variantes e até quebrar a imunidade das vacinas. O virologista Pedro Simas defende que a situação é improvável. "Há uma propagação exponencial do vírus na população que não está vacinada, mas não há uma pressão seletiva para selecionar variantes que escapem ao sistema imunológico", como acontece com as bactérias ou a gripe, esclarece.
Aliviar máscaras e simplificar medidas
Para os especialistas ouvidos pelo JN, é tempo de também em Portugal começar a pensar na descida gradual e acautelada das restrições, perante o número crescente de vacinados. "Não é difícil prever que nas próximas três semanas se vá agravar o discurso público à volta de tudo isto", avisa Bernardo Gomes. Centenas manifestaram-se este domingo em Lisboa e no Porto contra medidas, como o uso do certificado digital, e apelaram à liberdade de movimentos, sob o mote "Acorda Portugal".
O médico acredita que a próxima etapa passa pela "simplificação" de medidas: apostar nas restrições nos espaços fechados e normalizar horários nos concelhos de risco, reforçar a testagem e rever as normas de isolamento para vacinados, dando "margem de manobra" às autoridades de saúde no terreno.
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A maioria dos países, e respetivos governos, estão de olhos postos no Reino Unido. E Portugal não será exceção. Simas concorda com o desconfinamento britânico, mas tem dúvidas quanto à abolição do uso obrigatório de máscara em espaços fechados e com muita gente. "No final de julho e início de agosto, Portugal está numa posição de começar a largar as máscaras", compara o virologista, sobretudo na via pública e nos espaços ao ar livre, como parques. "Deve ser gradual e não tão dramático como o Reino Unido", acrescenta.
Em território britânico (salvo exceções como a Escócia), o Governo deixou a recomendação individual de usar máscara no interior e de exigir certificado de vacinação, à porta das discotecas, por exemplo. Com um aviso: as restrições podem voltar e os casos devem chegar aos 100 mil por dia. O registo não é viável em Portugal, diz Ricardo Mexia. "Temos um problema de comunicação, as pessoas não compreendem as medidas e têm dificuldade em seguir recomendações", conclui.