Um elemento responsável pela avaliação das candidaturas aos Polos de Inovação Digital, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), era, ao mesmo tempo, dirigente de uma universidade candidata. Agora, a universidade e o consórcio têm de devolver os 362 mil euros que receberam.
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O conflito de interesses foi detetado por uma auditoria europeia e motivou um inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) que concluiu que Portugal “não resolveu adequadamente o caso”, pois não anulou o projeto dessa candidatura.
Os Polos de Inovação Digital são consórcios entre empresas, universidades e outras instituições que visam transferir para o tecido económico as inovações das academias e dos centros de investigação. Foram selecionados 13 polos num dos concursos do IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, só que no Comité de Avaliação das candidaturas estava o dirigente de uma universidade candidata.
A existência deste conflito de interesses foi detetada por uma auditoria da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, em 2023. Os auditores da DG Ecfin constataram que um membro da comissão de avaliação das candidaturas “desempenhava funções institucionais numa entidade integrada em consórcio objeto de avaliação”, lê-se na auditoria. A Comissão de Auditoria e Controlo do PRR foi questionada sobre o assunto e respondeu que, “com a retirada do membro do Comité de Avaliação, o risco de conflito de interesse no processo de seleção está mitigado”.
Porém, para as autoridades europeias, o caso não ficou resolvido. A auditoria originou um inquérito do OLAF que, segundo revelou na quarta-feira o Jornal de Negócios e o JN confirmou, concluiu que o IAPMEI “não preveniu ou resolveu adequadamente o conflito de interesses, o que constitui uma clara violação das regras”.
Nomes não são conhecidos
A investigação do OLAF confirmou que o conflito de interesses foi detetado “nas fases iniciais” do processo e que isso “foi levado ao conhecimento do órgão responsável pela implementação do financiamento”, que é o IAPMEI. No entanto, este instituto público “não solicitou a suspensão da atividade correspondente”, refere o OLAF, que recomendou o cancelamento do projeto e a recuperação dos 362 104 euros atribuídos ao consórcio no âmbito desse concurso público.
Na reação às conclusões deste inquérito, na quarta-feira, o IAPMEI respondeu à Lusa que o mesmo foi encerrado em dezembro de 2024, tendo resultado numa “recomendação financeira e administrativa de recuperação de fundos, processo que se encontra atualmente em curso”.
Nenhuma das entidades revelou qual dos 13 consórcios escolhidos terá de devolver o financiamento, nem quem é o dirigente universitário visado no processo de conflito de interesses.
A existência deste caso na auditoria da DG Ecfin já tinha sido referida, sem nomes, no relatório do Ministério Público sobre a atividade da Comissão de Auditoria e Controlo do PRR, em janeiro do ano passado. No documento, a procuradora-geral adjunta Ana Carla Almeida alertava que o caso de conflito de interesses do IAPMEI era uma das situações que “constituem a demonstração factualmente consubstanciada que os procedimentos de controlo de mitigação do risco de conflito de interesses eram muito frágeis e permeáveis”.
O PRR tem o valor de 22,2 mil milhões de euros: 16,3 mil milhões em subvenções e 5,9 mil milhões em empréstimos. Os polos de inovação digital têm um financiamento de 60 milhões de euros do PRR.
Vales para startups com suspeitas de fraude
O IAPMEI denunciou ao Ministério Público vários casos de suspeitas de fraude com o projeto dos vales para startups, que tem uma dotação de 90 milhões de euros do PRR.
Os casos foram detetados pela Startup Portugal, que fez a avaliação das candidaturas aos dois concursos públicos. Esta entidade comunicou os casos ao IAPMEI que, por sua vez, os denunciou ao Ministério Público por suspeitas de fraude. Este programa apoia cada empresa startup com um valor até 30 mil euros e já foram selecionadas mais de mil candidaturas.
À lupa
22 mil milhões do PRR
O PRR tem o valor de 22,2 mil milhões de euros: 16,3 mil milhões em subvenções e 5,9 mil milhões em empréstimos.
60 milhões para polos
Os polos de inovação digital têm um financiamento de 60 milhões de euros do PRR.