A perceção de quem trabalha no combate ao "cyberbullying" é que a pandemia fez aumentar este fenómeno em Portugal. Neste período, a "No Bully", uma associação sem fins lucrativos exclusivamente dedicada ao combate ao bullying, criou três projetos de atuação nesta área.
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Inês Andrade, fundadora da "No Bully", diz que o cyberbullying "é mais difícil de detetar" do que o bullying presencial, que também é "um problema escondido". "Os adultos não veem o que acontece e os jovens não contam". Muitas vezes, quando os adultos tomam conhecimento dos casos de cyberbullying, estes já estão num estado "demasiado desenvolvido".
"O bullying aumenta online porque os jovens não estão juntos presencialmente", prossegue Inês Andrade, invocando os resultados de um estudo do ISCTE, com base em dois inquéritos. O primeiro, realizado no primeiro período de confinamento (2020), indicou que 61% dos jovens foram vítimas de cyberbullying e que oito em cada dez foram testemunhas desse tipo de comportamento. Já no segundo período de confinamento (2021), esse valor aumentou para 71%.
Nem sempre se conhecem
A fundadora da No Bully lembra que as publicações nas redes sociais "não desaparecem, a pessoa pode estar a ser constantemente "reagredida" pelas partilhas". O agressor e a vítima "normalmente não são pessoas da mesma escola", nem "precisam de estar juntos ou conhecerem-se", o que complica a existência de um "agente de mediação" que possa ajudar a resolver o caso, como o trabalho que a No Bully faz nas escolas.
Os jogos online também são usados para cyberbullying. "Não é uma relação típica que começa na escola", diz Inês Andrade, explicando que neste tipo de bullying "é mais difícil haver um padrão. Em geral, as pessoas que fazem parte de minorias étnicas e religiosas, orientação sexual e as mais excluídas do grupo, no caso dos jovens, são os alvos mais comuns".
Do sexting ao outing
"O que eu ouço muito falar quando vou às escolas é do sexting", afirmou a ativista. Consiste na partilha de imagens ou vídeos íntimos que depois acabam por ser divulgados online. Outro tipo de cyberbullying "muito ligado a questões de sexualidade" é o outing (em português revelação): acontece quando "uma pessoa tem informação sobre outra, que é segredo". Também existem muitos casos em que "jovens e adultos invadem contas e fazem-se passar por outras pessoas".
O trabalho da associação passa por combater o bullying online e o movimento contou com o apoio financeiro de Cristina Ferreira, uma das "muitas figuras que sofrem com o cyberbullying", refere a ativista.
Um dos projetos é o "Jovens embaixadores Be Kind", que inclui jovens dos 15 aos 25 anos de várias localidades do país que irão constituir uma "comunidade online de ensino secundário e superior". Outro projeto é o "apoio alvos cyberbullying", uma espécie de linha de apoio online destinada a jovens.
A outra vertente são as formações e workshops online abertos aos jovens que pretendem prevenir o cyberbullying e responder a questões. Também dão formação a professores, assistentes operacionais e encarregados de educação nas escolas que manifestem interesse. Alguns estabelecimentos de ensino em Lisboa, como a Escola Básica e Secundária Gama Barros, no Cacém e o Agrupamento de Escolas das Olaias, aceitaram o desafio de combate ao bullying.
Estas equipas formadas pela No Bully recebem a denúncia de bullying (que normalmente é feita pela própria pessoa ou outra que tenha conhecimento do ocorrido). Se o alvo de bullying aceitar ajuda, reúne com o agressor e com os colegas solidários com a situação. "No final acabam por fazer as pazes", referiu Inês Andrade, explicando como funciona este processo de mediação.
Nas formações dadas pela No Bully até agora participaram 1800 alunos, sendo que o "impacto acaba por se multiplicar nas escolas", conclui.
Cristina Ferreira apoia
O "movimento contra o cyberbullying" é financiado pela apresentadora da TVI Cristina Ferreira, que doou os royalties do seu livro "Pra cima de Puta", para apoiar iniciativas destinadas a jovens.
De agressora a vítima
Inês Andrade tinha 21 anos quando, em 2016, criou a No Bully. Quando era mais nova, foi agressora e, mais tarde, acabou por ser vítima. Em ambos as situações, não via resposta por parte da escola. "Não se fazia nada em concreto para resolver o problema", disse. Muitas situações ocorreram na presença dos professores e, apesar de lhes comunicar o que se passava, notava que eles "não sabiam lidar com a situação". Não era de "má vontade", achavam "que tinha de resolver sozinha, não percebiam a gravidade da situação", concluiu.