Muitas corporações em dificuldades devido a atraso de 25 milhões de euros no pagamento do transporte de doentes não urgentes.
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Os bombeiros portugueses afirmam estar a viver uma "situação insustentável" devido aos atrasos no pagamento por parte do Ministério da Saúde pelo transporte de doentes não urgentes e até já há gasolineiras a cortar-lhes o fornecimento de combustível por não saberem quando irão receber. O Governo atribui o incumprimento aos gastos do Serviço Nacional de Saúde na pandemia. A Liga dos Bombeiros (LBP) fala em mais de 25 milhões de euros por pagar e na possibilidade de muitas associações passarem a recusar realizar serviços, face às dificuldades de tesouraria.
"Pagaram 85% dos serviços realizados em agosto mas continuam pendentes os restantes 15%, o mês de setembro, outubro e novembro que agora fechou. São cerca de 50 mil euros que muita falta nos fazem nesta altura com os encargos com o pessoal que temos", afirmou ao JN Manuel Guedes, presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Aguda (Vila Nova de Gaia).
Por estes dias, as corporações fazem contas. Têm salários, o 13.º ºmês, as reparações de viaturas, a luz e água, as telecomunicações e o combustível, cada vez mais caro, para pagar. "Chegamos a um ponto em que mais de 50% dos serviços que prestamos estão a dar prejuízo", acrescenta o responsável que fala nos custos de cada transporte que envolve uma ambulância, motoristas, tripulação e combustível. "Por saberem da nossa situação e da necessidade de ficarmos a dever, muitos gasolineiras começam a recusar o abastecimento", uma vez que não sabem quando vão poder pagar, exemplifica.
Jaime Marta Soares, da Liga de Bombeiros, desconhece a existência até agora de qualquer recusa no transporte de doentes. "Não acredito que o façam mas, se o fizerem, é porque estão numa situação limite. É como as greves. O Governo sabe que não somos capazes de deixar as pessoas sem apoio e, por isso, tratam-nos desta forma. Somo o parente pobre das estruturas do SNS", considera.
A Liga diz que, entre hospitais e ARS, "as dívidas aos bombeiros são sempre para cima dos 25 milhões de euros". A que se juntam "os 12 milhões de euros das despesas extraordinárias dos incêndios florestais", que estão por saldar. É o caso de Valongo, cujos bombeiros servem um dos concelhos mais populosos da Área Metropolitana do Porto e, tal como a Aguda, estão com a contabilidade a zeros. "Nos últimos dois anos, não há mês em que o valor da tesouraria não seja negativo", salienta Manuel Guedes.
O JN contactou o Ministério da Saúde que reconhece que, "no final de setembro de 2021, o valor de pagamentos em atraso a corporações de bombeiros era de cerca de dois milhões de euros", valor justificado pelo "aumento de encargos da parte do SNS, fruto das restrições e salvaguarda da segurança dos utentes considerados no transporte".
O ministério diz estar "empenhado na redução deste valor até ao final do ano" e em "promover a integração das entidades do SNS na plataforma do Sistema de Gestão de Transporte de Doentes, com o objetivo de garantir o suporte à gestão integrada do transporte de doentes permitindo a análise, gestão e controlo do transporte de doentes".
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O que é?
O serviço de transporte de doentes ao abrigo do SNS é assegurado pelas entidades transportadoras legitimadas para o efeito, independentemente da sua natureza jurídica.
Quantos transportes?
De acordo com os dados registados na plataforma SGTD (Sistema de Gestão de Transporte de Doentes) foram transportados 155.436 utentes em 2020.
Quanto é pago?
O valor referente aos pagamentos encontra-se estabelecido no Despacho nº 7702-A/2012, de 4 de junho, podendo ser iguais ou inferiores, mediante os contratos entre as entidades transportadoras e as entidades requisitantes.
O que é a SGTD?
É uma plataforma integrada on-line, que suporta todas as atividades e a gestão integrada dos procedimentos inerentes ao transporte programado de utentes não urgente em toda a rede de cuidados primários.