João fez 700 km para concretizar dádiva. Maria do Céu fez transplante no pico da covid-19.
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João Magalhães é natural de Amarante, mas trabalha em Vitória, no País Basco há 12 anos. Em fevereiro, recebeu um telefonema do Instituto Português de Sangue e Transplantação a pedir uma amostra de sangue para confirmar a compatibilidade com um doente.
Estava inscrito no registo nacional de dadores desde 2009 e nunca havia sido chamado. Os resultados foram positivos. Nem hesitou. Em março, com Espanha confinada por causa da pandemia, meteu-se a caminho do IPO do Porto para uma consulta de preparação para a colheita. Foi parado várias vezes na estrada e, apesar da justificação que trazia, nem sempre foi fácil explicar à polícia espanhola o que é o IPO e o que ia fazer a Portugal.
Os exames de saúde correram bem e, no primeiro dia de maio, com os dois países ainda em estado de emergência, voltou a percorrer quase 700 quilómetros até ao Porto para concretizar a dádiva. "Fazia tudo outra vez, se fosse preciso", garante João Magalhães, 30 anos.
Numa altura em que muitos portugueses adiaram idas aos hospitais por medo de serem infetados com o novo coronavírus, as doações de medula não foram afetadas. João não teve receio e "depois de entrar no IPO do Porto ainda menos". Depois de um teste à covid-19 negativo, a colheita realizou-se a 4 de maio. Sobre o destinatário, pouco ou nada sabe, porque a legislação impõe o anonimato. Apenas que é um homem adulto com leucemia aguda. "As células viajaram muitos quilómetros", segundo a médica Susana Roncon, ficaram de quarentena por causa da pandemia e já terão sido transplantadas.
Maria do Céu Machado, 60 anos, esteve no lado oposto, na pele do doente, vulnerável, e teve de receber cuidados urgentes em período crítico da covid-19. Tem um mieloma múltiplo e aguardava, desde o verão passado, por condições de saúde para fazer um autotransplante de medula. Foi acontecer no pico da epidemia, mas garante que nem pensou nisso.
"Não tive receio nenhum, estava calma e confiante. O hospital tinha pouca gente e nunca pensei que pudesse apanhar a doença", conta. Esteve internada 16 dias - "o pior foram os efeitos secundários dos tratamentos"-, sem uma única visita, proibidas por causa da epidemia. O telefone, o tablet e as redes sociais ajudaram a matar as saudades. Em casa, as visitas continuam proibidas, mas da janela para o jardim sempre consegue ver os filhos e a neta.