No ano passado, IPO do Porto recebeu menos 1800 novos doentes. No São João, às vias verde Coronária e de AVC chegaram doentes em pior estado.
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Dos óbitos em excesso registados no ano passado, e descontando aqueles por covid-19, mais de metade terão sido causados por doença cardiovascular e cancro. Os cálculos são da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e pecam por defeito. Ano em que o Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto teve uma quebra de 17% nos doentes referenciados. E em que às vias verde Coronária e de AVC do Hospital de São João, no Porto, chegaram doentes mais tarde e em pior condição clínica.
De acordo com a análise da ENSP, entre 16 de março (primeira morte por covid-19 em Portugal) e 31 de dezembro de 2020, registaram-se 4830 óbitos em excesso devido a outras causas naturais que não o novo coronavírus. Mortalidade colateral esta que respondeu por 41% do excesso registado naquele período. O remanescente (6906) foi por covid-19.
Julho e setembro piores
Analisando os óbitos colaterais e cruzando com os dados da Pordata das principais causas de morte, a equipa de investigadores, liderada pelo professor catedrático Alexandre Abrantes, estima que "1401 possam ter sido causados por doença cardiovascular [29% do total], 1188 por cancro [25%] e 566 por doença do aparelho respiratório [12%]. Resultados, frisam, que "estão estimados por defeito". Sendo que julho (92%) e setembro (84%) foram os meses de 2020 com mais mortalidade colateral absoluta. Esses meses contaram com 1764 e 762 mortes colaterais respetivamente.
As explicações há muito têm sido avançadas. Nomeadamente, "o potencial impacto das limitações no acesso a consultas de acompanhamento, realização de exames complementares de diagnóstico no período de confinamento e eventual relutância da população em procurar serviços de saúde", lê-se no documento da ENSP. Mas com cautela. "O seu impacto merece outros estudos".
IPO com menos doentes
No terreno, a confirmação de que os doentes não estão a chegar aos hospitais. Por falta de referenciação, concretamente pelos Cuidados de Saúde Primários (CSP), em gestão de crise com a pandemia. No IPO do Porto, revela ao JN o seu presidente, no ano passado o número de novos doentes referenciados caiu 17%, depois de ter aumentado em 2019. Segundo Rui Henrique, chegaram ao instituto 8800 novos doentes, menos 1800 face ao ano anterior.
Com as referenciações a aumentarem ou a baixarem consoante os picos de infecciosidade. Março e abril, quando navegávamos no desconhecido, foram os piores meses, seguindo-se nova quebra a partir de outubro (o pico da 2.a vaga apontou-se para meados de novembro). Em julho, registou-se, pelo contrário, "um pico de referenciação". "A única notícia boa é que, em dezembro, em termos absolutos, atingimos os mesmos valores de 2018 e 2019, com 750 novos doentes". Com a retoma dos rastreios, explica, a impactar positivamente. Como é o caso do cancro da mama - ficaram por fazer cerca de 120 mil mamografias. "Já se sente uma retoma de doentes que faziam rastreio", diz. Mas, com a escalada presente, Rui Henrique teme nova inversão.
Sobre o receio da população se deslocar às unidades de saúde, o presidente do Conselho de Administração frisa que, "se ainda existe, é largamente ultrapassado pelo temor à sintomatologia" oncológica. E, depois, "as doenças não confinam". O que tivemos, sim, foram "situações que ficaram mais silenciosas e que podem agora estar numa fase mais avançada". De resto, reafirma toda a disponibilidade do IPO "em receber doentes referenciados na área oncológica" de outras unidades.
"Mais tarde e pior"
Nos que às cérebro-cardiovasculares concerne, há um ponto prévio importante: apenas cerca de 40% destes doentes chegam ao hospital através do INEM, pelas vias verde Coronária e de AVC.
O que aconteceu, no Hospital de São João, segundo o cardiologista Filipe Macedo, é que, "com a covid, as pessoas chamaram o INEM pouco e mais tarde, chegando em pior estado, conduzindo a complicações". Sublinhando o também diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares da Direção-Geral da Saúde que, durante a pandemia, a via verde esteve sempre a funcionar.
E, depois e de novo, a falta de referenciação. "Os hospitais estão a funcionar a 300%, mas não há referenciação dos CSP. Sendo que um exame físico não se faz por telefone", avisa Filipe Macedo. Por isso, pede que se diga aos portugueses que "é seguro ir ao hospital, há circuitos distintos, devendo contactar os seus médicos assistentes".
Colateral, o que é
Por mortalidade colateral entende-se todas as mortes por outras causas naturais que não a covid. No ano passado, respondeu por 41% do excesso de óbitos.
Desempenho mês
De acordo com a Escola Nacional de Saúde Pública, os óbitos colaterais, em valor absoluto, tiveram maior peso nos meses de julho e setembro, tendo diminuído ao longo de 2020.
Gripe e óbitos
Em dezembro, expurgando a covid, não houve sobremortalidade. Constatando um "registo extremamente baixo de óbitos atribuídos à gripe", os investigadores admitem que parte destes "tenham sido atribuídos à covid-19".
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10% - óbitos colaterais registados em julho. A vaga de calor não justifica, diz ENSP.
11736 - A Escola de Saúde Pública apurou um excesso de quase 12 mil óbitos entre 16 de março e 31 de dezembro, um aumento de 13,6% face à média a cinco anos.