Clamídia, gonorreia e sífilis registam aumento "contínuo e sustentado" desde 2014. Grupo de trabalho criado pela DGS em 2019 para emitir recomendações só reuniu uma única vez. Comportamentos de risco, relações sexuais com mais parceiros e recusa de preservativo contribuem para as infeções dos mais novos.
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Gonorreia, clamídia e sífilis, as três infeções sexualmente transmissíveis (IST) mais comuns, através de sexo oral, anal ou vaginal, continuam a aumentar exponencialmente em Portugal. O cenário é preocupante, dizem especialistas ao JN: a clamídia, doença bacteriológica capaz de provocar esterilidade ou gravidez ectópica, aumentou 60% de 2017 para 2018, o ano mais recente com dados no portal do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. Analisando a evolução 2015-2018, a subida é alarmante: mais 251% (de 151 novos casos para 531). A maior incidência é entre mulheres jovens e heterossexuais.
Na gonorreia, que pode passar de mães para bebés durante o parto, o incremento foi de 38% entre 2017 e 2018. Considerando o arco desde 2015, aí a subida é de 82% (de 432 casos notificados para 789). A maior incidência ocorre na população mais jovem - 271 casos em 2018 na faixa 15-24 anos e 273 casos nas idades 25-34 anos. Em linha com o aumento na União Europeia, 48% dos casos europeus foram entre homens que fazem sexo com homens.
Na sífilis, a infeção mais comum das três e que pode provocar úlceras e complicações neurológicas e cardíacas, propagando-se também de mães para bebés no parto, registaram-se 908 novos casos em 2018 (+7%). Na evolução desde 2015, as infeções subiram 26%. Novamente, é nos jovens que a situação agudiza: em 2018 houve 146 novos casos entre os 15-24 anos e 233 infeções nos 25-34 anos. A maioria dos 908 casos foi detetada nos homens (695 ocorrências), prevalecendo também aqui o sexo entre homens.
Lisboa e Porto: zonas de risco
As áreas metropolitanas de Lisboa e Porto registam as maiores taxas, acima da média nacional, e já são consideradas zonas de risco elevado. Lisboa aglutina a grande fatia: 70% dos casos reportados de clamídia, 57% de gonorreia e 47% de sífilis. Ainda: as notificações parecem aumentar gradualmente quanto maior é a privação económica.
"Os dados são preocupantes, sim. É preciso agir com rapidez se quisermos inverter o ciclo de aumento, que é contínuo e sustentado", diz ao JN a infeciologista Josefina Mendez, do Centro Hospitalar Universitário do Porto. "E pior: as maiores subidas são entre os jovens. É preciso mais campanhas de alerta. Em Portugal dá-se pouca formação, e informação, sobre educação sexual".
Lino André Silva, enfermeiro da secção de infeciosas do Hospital Santo António, e que faz rastreamentos ao domicílio, concorda. "É alarmante, sobretudo porque haverá subnotificação da parte dos médicos e uma imensa maioria da população nunca na vida foi rastreada". Sublinha: "Mais, mais, mais, é necessária muita mais educação sexual".
A psicóloga portuense Sara Correia ajuda a perceber o alarme. "Os miúdos, e os jovens adultos, que vivem cada vez mais imersos no mundo virtual, iniciam-se no sexo cada vez mais cedo, aos 13, 14 anos. Estão mal informados, são imaturos parecem ter cada vez mais parceiros sexuais e são inconscientes do perigo das infeções. Já comprovei: não gostam de preservativos, acham que diminui a masculinidade. É, evidentemente, uma ideia tão errada quanto perigosa e que tem de ser travada e invertida".
A Direção-Geral de Saúde está atenta e criou em 2019 uma task force de especialistas para "elaboração de estratégia para a prevenção e controlo das IST". Mas esse grupo de trabalho, confirmou o JN, não reúne desde o 1.0º trimestre de 2020. A DGS diz que "está a ser preparada uma resposta integrada às IST ao nível de cuidados de saúde primários, aquando das conclusões do grupo de trabalho". Não foi apontada qualquer data. Sobre o aumento das infeções, a DGS comenta que "o número de casos está em linha com as tendências a nível europeu".
PANORAMA EUROPEU
22% de subida na gonorreia de 2017 para 2018
Nos 27 países membros da União Europeia, em 2018 foram reportados 100 673 casos de gonorreia - média de 26,4 por 100 mil habitantes. Homens que fazem sexo com homens englobam 48% dos registos.
33 927 casos de sífilis na União Europeia em 2018
As taxas de sífilis em 2018 foram nove vezes mais altas em homens do que em mulheres; há um pico em homens de 25 a 34 anos (29 casos por 100 mil habitantes). Mais de 2/3 dos casos, ou 69%, são de homens que declararam praticar sexo com homens.
406 406 casos confirmados de clamídia em 2018
Na Europa, as taxas de notificação desta doença continuam a ser mais altas entre mulheres jovens adultas e heterossexuais. Taxa de notificação bruta: 146 casos por 100 mil habitantes (a portuguesa é de 5,2 casos).
AS TRÊS DOENÇAS
Gonorreia
É uma infeção sexualmente transmissível (IST) no sexo vaginal, oral e anal, causada por bactérias. Pode ser assintomática ou manifestar-se no ardor ao urinar, corrimento vaginal, corrimento peniano, dor pélvica, dor nos testículos. As complicações são a doença inflamatória pélvica, inflamação do epidídimo (ducto que coleta os espermatozoides), artrite sética, endocardite (inflamação no interior do coração). Pode passar da mãe para o bebé no parto. Trata-se com antibióticos.
Sífilis
Previne-se com uso de preservativo, como todas as IST, e trata-se com antibióticos. Manifesta-se com úlceras na pele (indolores no 1º de três estados), em qualquer parte do corpo. As manifestações mais graves incluem neurossífilis e a sífilis cardiovascular. Pode transmitir-se ao bebé durante o parto.
Clamídia
Sintomas: corrimento vaginal ou peniano, ardor ao urinar, mas pode ser assintomática. Complicações: dor nos testículos, doença inflamatória pélvica, infertilidade, gravidez ectópica (embrião fora do útero). Deteta-se em análises à urina. Trata-se com antibióticos (azitromicina ou doxiciclina).