Nova lei prevê reduzir período de internamento, mas faltam respostas.
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Há 432 inimputáveis, pessoas que cometeram crimes cuja responsabilidade dos mesmos é atribuída à doença mental, em Portugal. Destes, 203 estão internados em hospitais psiquiátricos e 229 em prisões. A nova lei da saúde mental prevê que o internamento dos inimputáveis deixe de ter uma duração "ilimitada", mas psiquiatras alertam que será difícil fazê-lo enquanto continuar a haver falta de respostas cá fora. É este obstáculo à saída que tem prolongado o internamento de inimputáveis durante dezenas de anos.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, considerou, no mês passado, que é "muito difícil justificar que as pessoas fiquem décadas internadas em hospitais psiquiátricos". A reforma legislativa prevê, por isso, libertar os inimputáveis após o tempo previsto na sentença, sendo a máxima, em Portugal, de 25 anos. Na prática, contudo, não será simples, explica Fernando Vieira, psiquiatra forense no Hospital Júlio de Matos.
"Profundamente injusto"
"Quando os tribunais avaliam se (os inimputáveis) podem sair, se não tiverem uma casa para onde ir basicamente continuam perigosos e detidos. Esta situação é profundamente injusta. O tempo máximo de prisão é de 25 anos e há o caso de um inimputável que esteve detido 58 anos", exemplifica.
Maria João Heitor, diretora do serviço de psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo, diz que "estes doentes não devem ser discriminados em relação a outros, nem podem estar privados de liberdade". "Fazendo um paralelismo, não há prisão perpétua em Portugal".
Estigma social
No entanto, explica, a saída dos inimputáveis pode atrasar-se ou mesmo ser impedida se não se verificarem alguns pressupostos, como "estigma social, questões inerentes à personalidade e ao comportamento que dificultem a readaptação, crenças e padrões cognitivos que possam ser obstáculos à reintegração familiar e comunitária".
"Quando um indivíduo tem algum tipo de deficiência intelectual, sobretudo grave, o que presentemente representa um grupo considerável nos inimputáveis, isto poderá ser mais um obstáculo à reabilitação criminal e reintegração social e laboral", esclarece ainda.
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, considerou, em outubro, que a proposta da reforma da lei "deixa a sociedade desprotegida" e lembrou que "sendo já difícil a ressocialização dos delinquentes não afetados por anomalia psíquica, muito mais difícil se mostra a reinserção social de indivíduos com graves patologias mentais".